Resposta Imune

Pacientes

A resposta imunológica dos portadores da doença de Chagas

Cristiane A.S. Menezes

Laboratório de Biologia das Interações Celulares, Departamento de Morfologia, ICB, Universidade Federal de Minas Gerais

E-mail: cristianemenezes@hotmail.com

 

Mauro M. Teixeira

Laboratório de Imunofarmacologia, Departamento de Bioquímica-Imunologia, ICB, Universidade Federal de Minas Gerais

E-mail: mmtex@icb.ufmg.br

 

Walderez O. Dutra

Laboratório de Biologia das Interações Celulares, Departamento de Morfologia, ICB, Universidade Federal de Minas Gerais

E-mail: waldutra@pq.cnpq.br

 

Entre os diversos aspectos intrigantes relacionados à doença de Chagas, sua evolução clínica diferencial em indivíduos cronicamente infectados assume, certamente, um papel de grande destaque. Enquanto a grande maioria dos portadores crônicos da doença de Chagas não apresenta sintomas ou sinais clínicos da doença, sendo classificados como “indeterminados”, aproximadamente 40% dos pacientes crônicos desenvolve sintomas clínicos e alterações laboratoriais relacionados à doença. As formas clínicas “digestiva” e “cardíaca” são caracterizadas por lesões teciduais de intensidade variável na rede neuronal mioentérica e nos tecidos cardíacos, respectivamente, e são associadas à morbidade e mortalidade da doença. Fatores relacionados ao parasita, como por exemplo, o tropismo tecidual específico de diferentes isolados de Trypanosoma cruzi, podem influenciar de maneira decisiva a evolução clínica da doença de Chagas. No entanto, o fato de que isolados semelhantes de parasitas podem ser associados a formas clínicas distintas da doença aponta para a importância de outros fatores, especialmente a resposta imune dos pacientes, em sua patogenia. Sem dúvida, a compreensão dos mecanismos relacionados ao estabelecimento de diferentes formas clínicas da doença de Chagas é um ponto crucial para nortear futuras intervenções profiláticas ou terapêuticas.

Os primeiros estudos relacionados à resposta imune dos portadores da doença de Chagas focalizaram-se na resposta humoral. A detecção de anticorpos reativos ao parasita foi e é uma importante ferramenta para diagnóstico da infecção em humanos e, diante dessa associação, pesquisas têm sido realizadas para melhor caracterizar a resposta humoral dos dos portadores da doença de Chagas. Anticorpos reativos a epitopos de galactose e que podem mediar a lise de formas tripomastigotas foram encontrados no soro de pacientes crônicos. Esses anticorpos foram denominados “anticorpos líticos” (AL). Estudos recentes mostraram que AL são encontrados em níveis mais elevados no soro de pacientes com a forma indeterminada do que a forma cardíaca da doença, sugerindo um papel protetor para esses anticorpos. Estudos referentes a outras classes de anticorpos, por outro lado, sugerem sua participação na patogenia da doença, uma vez que anticorpos reativos contra diversas estruturas do hospedeiro são encontrados em portadores da doença de Chagas crônicos. Também já foram encontrados, no soro de pacientes crônicos, anticorpos anti-T. cruzi capazes de estimular a proliferação de linfócitos T e B de portadores da doença de Chagas. Esses anticorpos estimulam preferencialmente células B CD5+, uma sub-população celular relacionada a processos autoimunes. É possível que anticorpos desempenhem um importante papel na evolução clínica da doença de Chagas. Talvez o fato de que a destruição tecidual observada nos portadores da doença de Chagas crônicos esteja associada à presença de um infiltrado inflamatório tenha contribuído para que a maioria dos estudos imunológicos em portadores da doença de Chagas focalizem-se na resposta celular. Não obstante à importância clara da resposta celular nos mecanismos imunopatológicos na doença de Chagas, estudos que permitam a melhor compreensão da resposta humoral são fundamentais. Afinal, considerando-se a complexidade das interações parasita-hospedeiro, é improvável que apenas um braço do sistema imunológico esteja associado à evolução da doença.

Estudos pioneiros sobre a resposta celular de portadores da doença de Chagas mostraram que células mononucleares do sangue periférico (CMSP) de pacientes das formas indeterminada ou cardíaca são capazes de proliferar quando expostas, in vitro, a antígenos do parasita e a componentes do hospedeiro. Além de proliferarem em resposta a esses estímulos, CMSP de portadores da doença de Chagas, especialmente células T CD4+ e monócitos, produzem uma grande quantidade de citocinas inflamatórias e anti-inflamatórias. Acredita-se que essas células sejam fundamentais em orquestrar a resposta imune nos portadores da doença de Chagas, influenciando a evolução clínica da doença. Por isso, muitos estudos têm sido realizados com o objetivo de se caracterizar, fenotípica e funcionalmente, diferentes populações celulares e assim compreender seu papel no estabelecimento de respostas protetoras ou patogênicas frente à infecção com o Trypanosoma cruzi.

A maioria dos estudos referentes à resposta imune na fase aguda da doença de Chagas foram realizados utilizando-se modelos experimentais. Embora inúmeras informações importantes tenham surgido desses estudos, deve-se proceder com cautela na transferência das interpretações para a doença humana. Trabalhos avaliando a resposta imune dos portadores da doença de Chagas na fase aguda sugerem que essa fase possui uma “natureza independente de linfócitos T”, caracterizada pela expansão de células B e ativação de monócitos. Concordando com essa hipótese, sabe-se que a fase aguda caracteriza-se por baixa resposta proliferativa de linfócitos, relacionada à baixa expressão do receptor para IL-2. A progressão para a fase crônica é acompanhada de um aumento na resposta celular. Na fase crônica, observa-se um aumento na frequência de células T CD4+ e CD8+ circulantes ativadas, com elevada expressão de HLA-DR e baixa expressão de CD28. A frequência elevada de células T ativadas CD4+CD28- no sangue periférico de portadores da doença de Chagas está associada com a expressão de TNF-α e IL-10 em pacientes das formas cardíaca e indeterminada, respectivamente, sugerindo papéis funcionais distintos para essas células. Células T CD8+ ativadas que expressam granzima A e TNF-α são predominantes no infiltrado inflamatório associado às lesões cardíacas na doença de Chagas. Acredita-se que produção local de citocinas como IL-15 e IL-7 contribua para a sobrevivência das células T CD8+ no tecido cardíaco. Um dado interessante é que células com fenótipo consistente com o de populações regulatórias, CD4+CD25high e NKT (CD3+CD16-CD56+), foram encontradas no sangue periférico de indivíduos indeterminados, sugerindo que a falta de populações regulatórias em indivíduos sintomáticos pode levar à exacerbação das atividades citotóxicas, culminando em dano tecidual.

Análises funcionais de linfócitos T de portadores da doença de Chagas revelaram que essas células expressam grandes quantidades das citocinas IL-5, IL-10, IL-13 e IFNγ em relação a indivíduos não infectados, sugerindo a existência simultânea de reatividade celular anti e pró-inflamatória frente à presença constante de estímulo antigênico, tanto do parasita quanto do hospedeiro. Bahia-Oliveira e colaboradores verificaram que portadores da doença de Chagas tratados curados apresentavam uma maior produção de IFNγ que os não curados, sugerindo um papel protetor para essa citocina no processo de cura associada ao tratamento químico. Corroborando essa hipótese, foi recentemente demonstrado que o tratamento de pacientes indeterminados, no início da fase crônica, leva à produção de IFNγ. Outros autores também sugerem um papel associado à proteção para essa citocina. Já Gomes e colaboradores, verificaram uma alta produção de IFNγ em 83% de cardíacos e em 59% de indeterminados. Além disso, esses autores mostraram uma clara associação entre a expressão de IFNγ e a ocorrência de doença cardíaca grave, sugerindo, na fase crônica, uma relação entre a produção de IFNγ e a morbidade da doença. Nesse sentido, já foi mostrado que clones de células T derivados do infiltrado inflamatório de portadores da doença de Chagas cardiopatas são excelentes produtores de IFNγ. Estudos recentes mostraram uma correlação positiva entre a expressão de TNF-α da quimiocina CCL1 e dos receptores de quimiocinas CCR5 e CXCR4 com disfunção cardíaca em portadores da doença de Chagas, sugerindo uma associação entre TNF-α e patogenia. Um dado interessante é que, embora seja correlacionada com o estabelecimento de um perfil modulatório em pacientes com a forma indeterminada da doença de Chagas, a citocina anti-inflamatória IL-10 é também produzida por CMSP de pacientes cardiopatas, sugerindo que, mais que a produção de uma dada citocina por si só, o balanço entre as citocinas inflamatórias e anti-inflamatórias produzidas ao longo da doença será fundamental para determinar o curso da infecção. Assim, fatores que determinam a produção dessas citocinas, como os estímulos antigênicos associados à infecção e como a ocorrência de polimorfismos gênicos, desempenham papel essencial na imunopatologia chagásica.

Avanços relacionados à identificação de moléculas do parasita (e do hospedeiro) responsáveis pela indução da reatividade imunológica em portadores da doença de Chagas foram obtidos nos últimos anos. Enquanto mucinas derivadas do parasita parecem ser essenciais para o desencadeamento da resposta inata, o estímulo de linfócitos acontece em resposta a uma variedade de antígenos. No entanto, populações de células T expressando regiões Vα e Vβ restritas em seu TCR já foram identificadas no sangue periférico e no infiltrado inflamatório cardíaco de portadores da doença de Chagas, sugerindo a existência de um peptídeo dominante indutor da resposta de células T. O advento do sequenciamento do genoma do parasita (e também humano), permitirá a identificação de antígenos importantes na resposta imune durante a infecção chagásica.

Com base nos estudos citados, podemos constatar a complexidade dos fatores envolvidos na evolução da doença de Chagas. A figura 1 representa uma combinação de dados da literatura referentes à resposta imune de portadores da doença de Chagas com as formas indeterminada e cardíaca. Embora muitos conhecimentos tenham sido adquiridos em relação à resposta imune de portadores da doença de Chagas, importantes aspectos ainda não foram esclarecidos. A resposta a perguntas tais como: (i) quais os antígenos indutores de respostas patogências ou protetoras?; (ii) é possível impedir o desenvolvimento das formas graves utilizando-se intervenção imunológica?; e (iii) A susceptibilidade ao desenvolvimento de formas clínicas graves pode ser determinada geneticamente? São importantes e poderão direcionar a busca de novas terapias preventivas e curativas, beneficiando a população infectada ou em risco de infecção. Transcendendo à doença de Chagas, os conhecimentos sobre a biologia do sistema imunológico, obtidos dos estudos em portadores da doença de Chagas, certamente auxiliarão na compreensão da imunopatologia de outras infecções.

 

Figura 1

 

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Citocinas  

Citocinas na doença de Chagas: uma perspectiva pessoal sobre três décadas de pesquisa

Ises de Almeida Abrahamsohn

Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo

E-mail:  iabraham@usp.br

 

Introdução

Os organizadores do Simpósio Internacional do Centenário da Descoberta da Doença de Chagas me convidaram a escrever uma revisão sobre citocinas na Doença de Chagas para ser postado no site da Fundação Oswaldo Cruz por ocasião do Simpósio a ser realizado de 8 a 10 de julho de 2009. O assunto é vasto e abrange a investigação publicada durante cerca de 30 anos. Uma revisão clássica tentando citar e discutir todos os trabalhos deste período resultaria muito extensa e possivelmente de pouca utilidade aos pesquisadores que não trabalham diretamente com o assunto. Pela mesma razão, decidi não incluir a literatura sobre quimiocinas na Doença de Chagas. Optei por apresentar a minha visão pessoal sobre o desenrolar da pesquisa sobre citocinas na Doença de Chagas e na infecção por Trypanosoma cruzi nestas ultimas três décadas. Na bibliografia foram selecionados artigos representativos organizados em blocos correlacionados aos assuntos abordados no texto.  Alguns artigos foram incluídos pela sua relevância histórica e/ou inovativa.

 

Por que estudar citocinas na doença de Chagas?

Um dos objetivos que permeou a maioria dos trabalhos básicos da década de 1980 e 1990 foi identificar quais citocinas participam do controle do parasitismo por parte do hospedeiro vertebrado e quais citocinas têm efeito oposto, isto é, favorecem maior parasitismo tecidual. A compreensão do papel das diferentes citocinas na resposta imune protetora e na resistência ou suscetibilidade do hospedeiro vertebrado permitiria testar experimentalmente os efeitos do tratamento com determinadas citocinas (ou com os respectivos anticorpos neutralizantes).  Buscava-se a possibilidade de modificar o curso da infecção experimental e aumentar a resistência.  Naquela época previa-se a utilização futura das citocinas no tratamento de várias doenças infecciosas. Além disso, o conhecimento das citocinas essenciais para controle do parasitismo é de suma importância para desenvolver protocolos de vacinação contra a infecção por T. cruzi.

A segunda razão para se estudar citocinas na Doença de Chagas é entender a sua ação nos vários mecanismos regulatórios da resposta imune observáveis durante a infecção tais como imunossupressão, morte de linfócitos e na regulação da resposta inflamatória.

O terceiro grande foco da investigação sobre citocinas em Doença de Chagas é entender como estas moléculas participam na patogenia e na patologia.

 

Citocinas e controle do parasitismo pelas respostas imunes adaptativa e inata  

Até meados dos anos 80, poucas citocinas produzidas na resposta imune específica ou adaptativa eram conhecidas: IL-2 (chamada de TCGF- T cell growth factor), o fator B cell growth factor (BCGF ou TCGF 2) que viria a ser caracterizado com IL-4 e interferon gama (chamado também de interferon imune ou tipo II).  Entre 1985 e 1987 foram sucessivamente caracterizadas as citocinas IL-4, IL-3 e IL-5.  Em 1986, Robert Coffman e Tim Mosmann propuseram a existência de duas populações de linfócitos T auxiliares funcionalmente distintas devido às citocinas produzidas: linfócitos Th1 produtores de IFNγ e IL-2 e linfócitos Th2 produtores de IL-4, IL-5.

Já eram conhecidas desde os anos 70 variações extremas na suscetibilidade de camundongos de linhagens isogênicas à infecção por cepas de T. cruzi de uso laboratorial. Portanto a partir da publicação da hipótese Th1-Th2, o papel das populações Th1 e Th2 e quais citocinas estariam associadas à resistência e à suscetibilidade foi bastante investigado nas infecções e também na infecção experimental por T. cruzi. Interferon-gama (IFNγ) é essencial para o controle do parasitismo por T. cruzi como demonstrado por vários autores que trataram animais infectados ou culturas de macrófagos com a própria citocina ou com anticorpos neutralizantes ou ainda usaram animais knock-out, desprovidos do gene de IFNγ. Além de IFNγ, também TNF-α (que também pode ser produzido por Th1) participa no controle da infecção. Tanto IFNγ como TNF-α são potentes ativadores das funções microbicidas de macrófagos entre as quais estão a produção de radicais intermediários de oxigênio (ROI) e de nitrogênio (RNI) e, portanto, a neutralização destas citocinas in vivo ou in vitro aumenta, respectivamente, o parasitismo no animal ou o número de T. cruzi intracelulares. Interferon-gama é a principal citocina responsável pelo controle do parasitismo na fase aguda e também por mantê-lo em níveis muito baixos na fase crônica.     Diferentemente do que ocorre na infecção de camundongos infectados por Leishmania major, não foi possível evidenciar na infecção de camundongos por T. cruzi, dominância de resposta do tipo Th2 nos BALB/c (suscetíveis) em contraste com a resposta Th1 protetora de camundongos C57BL/6 (resistentes). A indução prévia de uma resposta polarizada Th2 agrava a infecção por T. cruzi e induz a morte dos animais resistentes. Entretanto, a infecção por T. cruzi normalmente feita no laboratório resulta em intensa ativação da resposta Th1 em ambas as linhagens de camundongos.  De fato, os níveis de produção de IFN gama por culturas de esplenócitos não são muito diferentes na linhagem suscetível (BALB/c) e na resistente (C57BL/6) e os níveis de IL-4 são muito baixos em ambas. O tratamento com anticorpos neutralizantes anti-IL-4 não alterou os níveis de parasitos no sangue nem a produção de IFNγ sugerindo que a IL-4 produzida endogenamente na infecção não é, isoladamente, um determinante importante para a suscetibilidade de camundongos ao T. cruzi.

A descoberta em 1989 da IL-10 como citocina produzida por Th2, com ação inibitória sobre a resposta Th1, reforçou a idéia de regulação recíproca entre as populações Th1 e Th2. Progressivamente acumularam-se as evidências de que a IL-10 é produzida por várias outras células além de Th2 e que regula negativamente não apenas a secreção de citocinas Th1, mas também inibe e se contrapõem às ações ativadoras de IFNγ e TNF-α desativando a transcrição e tradução de vários genes em macrófagos. Ainda, a IL-10 atua controlando negativamente a resposta imune em geral e principalmente a resposta inflamatória e o dano tecidual. Os níveis de IL-10 produzidos por camundongos suscetíveis e resistentes ao T. cruzi não são muito diferentes embora possam existir variações conforme as cepas de T. cruzi ou de camundongo estudadas.  Entretanto, a neutralização da IL-10 por Ac monoclonal aumenta a produção de IFNγ e camundongos desprovidos de IL-10 (IL-10 KO) tem menor parasitismo, porém morrem mais precocemente com inflamação exacerbada em vários órgãos. Além de IL-10, esplenócitos de camundongos infectados por T. cruzi produzem TGF-β que também inibe a ativação de macrófagos por IFNγ.

De fato, atualmente consolidou-se a percepção que IL-10, TGF-β e células T regulatórias (que podem produzir IL-10 e/ou TGF-β) são essenciais para controlar a hiperativação do sistema imune e o grau de lesão celular e de patologia em várias infecções.

A partir da descoberta e caracterização, em 1991, por Giorgio Trinchieri, da citocina IL-12 como uma citocina indutora de IFNγ, produzida por células dendríticas e macrófagos estimulados por produtos bacterianos, começou a se firmar a importância da resposta imune inata como essencial para a ativação da resposta imune adaptativa e para a resistência inicial do organismo a infecções. Na resposta inata temos IL-12 e TNF-α ambos produzidos por macrófagos ou por células dendríticas estimulados por moléculas do T. cruzi que interagem com receptores do tipo Toll (Toll-like receptors ou TLR) e com outros receptores reconhecedores de padrões moleculares presentes em patógenos (PAMPs). As duas citocinas, TNF-α e IL-12, são essenciais para o controle inicial pela resposta inata do parasitismo por T. cruzi, juntamente com IFNγ produzido por células Natural Killer (NK) ativadas por IL-12 e IL-15. Entretanto a suscetibilidade de linhagens de camundongos à infecção por T. cruzi não está associada à menor produção de IL-12.

Além das citocinas mencionadas, os interferons do tipo I (alfa e beta), conhecidos há muito tempo como interferons antivirais, são clássicas citocinas da resposta imune inata e participam da resistência inicial a infecções. Os genes de Interferons do tipo I, em especial IFNbeta, estão entre os primeiros a serem ativados após a infecção celular pelo T. cruzi e muitos tipos celulares podem sintetizar essas citocinas. Na década de 1980 foram feitos alguns estudos sobre a atividade de IFNI na infecção por T. cruzi.  Estudos recentes mostraram que a produção de IFNI por macrófagos é muito maior na linhagem murina resistente à infecção do que na suscetível resultando em menor carga parasitária inicial devido à produção elevada de óxido nítrico, que é estimulada por IFNI e também por TNF-α produzidos pelos macrófagos logo após a sua infecção. Assim o controle inicial do nível de parasitismo celular pela resposta inata facilita o controle geral do parasitismo pela resposta adaptativa subsequente. Além de IFNI e TNF-α, é possível que a ação de outras citocinas como GM-CSF e MIF se somem às descritas.

Interleucina 18, outra citocina da resposta inata, tem papel bastante secundário ao da IL-12 ou mesmo nulo (dependendo da linhagem de camundongos estudada) na estimulação da produção de IFNγ na infecção por T. cruzi. Recentemente mostrou-se que camundongos sem o gene da citocina pro-inflamatória MIF (macrophage inhibitory factor, uma citocina conhecida há muito tempo) produzem menos IL-12 e TNF-α e apresentam infecções mais graves.

 

Citocinas na imunossupressão e regulação 

Um dos fenômenos, observado desde a década de 1970, na infecção aguda por T. cruzi e também em outras parasitoses sistêmicas, é a imunossupressão da resposta imune celular tanto a antígenos do próprio parasito como a estimuladores policlonais da resposta imune. Eu considero a imunossupressão um dos mecanismos regulatórios para evitar excesso de ativação do sistema imune frente à presença da enorme quantidade de antígenos parasitários, como acontece na fase aguda. À medida que a infecção é controlada pelo sistema imune, a intensa imunossupressão da fase aguda tende a desaparecer, mas mesmo na fase crônica, tanto em camundongos como na espécie humana é possível verificar que a resposta de linfócitos T ainda é regulada negativamente por vários mecanismos.

As citocinas ativadoras de macrófagos IFNγ e TNF-α estão paradoxalmente envolvidas indiretamente na supressão da proliferação e na morte de linfócitos T e também na inibição da produção de várias citocinas tais como a IL-2 e o próprio IFNγ, fenômenos que caracterizam a imunossupressão na infecção aguda por T. cruzi em camundongos. O IFNγ estimula a produção de óxido nítrico, necessário para eliminar o parasito, mas inativa várias proteínas e vias de síntese e acaba levando leva à morte celular. Outra ação do IFNγ é modular a expressão das moléculas Fas e Fas-L, também indutoras de morte celular. As moléculas efetoras finais que exercem a imunossupressão em camundongos na infecção por T. cruzi são principalmente o óxido nítrico e secundariamente prostaglandinas (PG). A inibição experimental da síntese destas moléculas associada à adição de IL-2 recupera a proliferação e a síntese de IL-2 e IFNγ pelos linfócitos de camundongos infectados.

Em pacientes, estudados na fase crônica, observa-se que PG e IL-10 reduzem a proliferação de linfócitos e inibem a produção de várias citocinas como IL-12, IL-2 e IFNγ; as duas primeiras são importantes para ativação inicial, proliferação e diferenciação dos linfócitos e a sua suplementação na cultura ou a inibição de IL-10 ou de PG aumenta a proliferação de linfócitos T específicos a antígenos do parasito e a síntese de citocinas.

Um mecanismo de regulação negativa da ativação de macrófagos e que favorece a sobrevivência do parasito dentro destas células é a síntese de TGF-β estimulada após a fagocitose de células apoptóticas em ambientes ricos em células inflamatórias; este mecanismo também pode ser importante na regulação da lesão tecidual nos orgãos-alvo. Outro mecanismo no qual o próprio T. cruzi estimula a síntese de citocinas regulatórias TGF-β e IL-10 foi descrito in vitro para células dendríticas derivadas de medula óssea. Estas DC estimuladas por formas tripomastigotas da cepa RA desenvolvem fenótipo supressor caracterizado pela síntese de TGF-β e IL-10 e redução da síntese de IL-12, correlacionando-se com o fenótipo supressor das DC identificado na infecção murina por esta cepa de T. cruzi.

Em relação à regulação da resposta imune e patologia por células T regulatórias de origem endógena (Treg CD4+CD25+) os trabalhos realizados em camundongos não mostraram, por enquanto, um papel relevante destas células.

Outro nível de regulação negativa da resposta imune poderia ser exercido por fragmentos da membrana plasmática liberados pelo parasito que formam vesículas semelhantes a exosomas. Estes têm o potencial de induzir IL-10 e IL-4; nos órgãos intensamente parasitados tal mecanismo reduziria a atividade microbicida induzida por IFNγ e/ou TNF-α.

 

Citocinas e patologia

O terceiro objetivo no estudo de citocinas na infecção por T. cruzi é entender a sua participação relativa como determinantes da intensidade da inflamação e lesão tecidual, ou seja, na patogenia e patologia. As variações de parasitismo e resistência à infecção por T. cruzi são observadas quando diferentes linhagens de camundongos são infectadas por uma mesma cepa do protozoário e principalmente nas fases aguda e subaguda.  Na espécie humana, em vista da redução expressiva da transmissão vetorial, são mais raros os pacientes que tem fase aguda sintomática e, por enquanto, não há meios para avaliar a carga parasitária nos pacientes crônicos.

Observa-se grande variação na intensidade de patologia entre os pacientes na fase crônica. No Brasil, aproximadamente 70 % dos infectados apresentam a forma clinica indeterminada, sem sintomatologia e com escassas lesões histopatológicas, que assim permanece durante a vida do individuo. Nas outras pessoas infectadas (30 %), a doença se manifesta clinicamente ao longo da vida e observa-se que a maioria apresenta graus variados de cardiopatia chagásica; uma pequena percentagem desenvolve apenas mega-esôfago e/ou megacolon. Estes dados são para o Brasil; em outros países ou regiões endêmicas, as relativas incidências das formas clínicas são diferentes.

Em relação ao papel de citocinas na patogenia e na patologia uma das questões que norteia as pesquisas em pacientes é verificar se há correlação entre a expressão de determinadas citocinas e o grau da patologia encontrada no coração. Principalmente procuram-se correlações entre a síntese de determinadas citocinas pelas células mononucleadas do sangue dos pacientes com Doença de Chagas e a gravidade da forma clinica; alguns trabalhos analisaram diretamente material de biópsia ou necrópsia. Ainda, a expressão de determinadas citocinas por leucócitos do sangue periféricos obtidos ex vivo ou ativados em cultura poderia ser usada como indicador de morbidade e de progressão da forma indeterminada para as formas clinicas sintomáticas.

Outras abordagens experimentais procuram associações entre formas ou gravidade da doença crônica com polimorfismos encontrados nos genes de citocinas na espécie humana. Identificados os marcadores, seria idealmente possível intervir precocemente com tratamento antiparasitário e/ou usando por exemplo anticorpos anti-citocinas humanizados que poderiam retardar a evolução da patologia.

As principais citocinas estudadas foram IFNγ, IL-10, IL-4 e TNF-α. Os resultados estão longe do consenso. De modo geral esperar-se-ia que pacientes com níveis mais elevados de IL-10 e/ou IL-4 (ou ainda TGF-β) ou de linfócitos T parasito-específicos produtores destas citocinas tivessem melhor controle da inflamação e da destruição tissular secundárias à resposta imune anti-parasitária nos orgãos, especialmente no coração.  Neste sentido, vários trabalhos indicam que níveis altos de IL-10 e níveis moderados de IL-12 e/ou de IFNγ estão associados com a forma indeterminada; em contrapartida, níveis mais elevados de IFNγ associados a níveis mais baixos de IL-10 e (em alguns trabalhos) de IL-4, são encontrados nas formas cardíacas ou nas formas mais graves. Entretanto outros trabalhos encontraram correlação inversa entre severidade da doença e a frequencia de linfócitos T produtores de IFNγ.

Foi encontrada associação entre formas mais severas de cardiopatia e um alelo do gene de IL-10 que resulta na menor produção desta citocina, sugerindo que IL-10 controla a intensidade da lesão cardíaca no homem.  Polimorfismos gênicos de TNF-α podem estar ou não associados com as formas sintomáticas dependendo da população estudada.

Outra abordagem numa direção semelhante é a procura da associação de quadros clínicos com frequências de células regulatórias produtoras ou não de citocinas. Ainda existem poucos trabalhos, mas já se encontrou maior frequência de células Treg produtoras de IL-10 no sangue de pacientes com a forma indeterminada da doença de Chagas em comparação a pacientes portadores de formas cardíacas.

Aproximadamente vinte e cinco por cento de pacientes com a forma cardíaca tem níveis mais elevados TGF-β circulante em comparação a pacientes da forma indeterminada.  Estudos de acompanhamento destes pacientes devem elucidar o valor prognóstico deste achado, considerando-se que esta citocina pleiotrópica estimula fibrose e tem várias ações inibitórias sobre a resposta imune e sobre a ativação de macrófagos.

Também recentemente procura-se verificar o papel das citocinas IL-17, IL-22, IL-23, pertencentes ao circuito de síntese de IL-17, na patologia da infecção por T. cruzi. Outra citocina com ação regulatória negativa é a IL-27 que inibe o desenvolvimento das células Th17, em parte devido à indução de IL-10. A IL-17 está vinculada à indução e manutenção de inflamação tecidual em várias doenças inflamatórias crônicas e atua junto com TNF-α, IL-1, IL-6 e IL-8 e quimiocinas promovendo afluxo e ativando células inflamatórias. Dados recentes de camundongos infectados sugerem que IL-17 é produzida concomitantemente à ativação da resposta Th1. Por outro lado, há indicação de que na ausência de sinalização por IL-27 a patologia é muito mais severa.

A interpretação dos estudos de associação entre níveis de citocinas secretadas por linfócitos do sangue e grau de patologia necessita cautela. Um problema é que a resposta das células encontradas no sangue pode não refletir nem a composição nem o estado de ativação das células que migraram para dentro do tecido inflamado. Outro problema é que pacientes com cardiopatias em geral são tratados com medicamentos que atuam em receptores celulares também presentes em linfócitos e podem modificam suas respostas.

De qualquer maneira, a procura de marcadores, imunológicos ou não, detectáveis no sangue, que possam ser usados para determinar se há progressão da lesão tecidual continua sendo de grande importância. Terapias imunológicas voltadas para bloquear a progressão da lesão tecidual e tratamentos para diminuir a carga parasitária podem ser indicados seletivamente para pacientes que apresentem os marcadores de doença progressiva.

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Apoptose

Papel regulador da apoptose na doença de Chagas

George A. dos Reis e Marcela F. Lopes

Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro

E-mail: marcelal@biof.ufrj.br

 

Durante a infecção por Trypanosoma cruzi, respostas imunes inata e adquirida são executadas por macrófagos, linfócitos T e B e citocinas. Estas respostas controlam a parasitemia durante a fase aguda, mas o parasita persiste durante a vida em tecidos do hospedeiro. Em modelos experimentais, células T CD4+ e CD8+ produtoras de citocinas são necessárias para controlar a parasitemia e para prevenir a mortalidade. Um balanço entre as citocinas do tipo 1, que induzem macrófagos microbicidas, e citocinas reguladoras tipo 2 é necessário para promover a proteção imunológica, enquanto a patologia no tecido cardíaco é impedida. Respostas do tipo 1 e tipo 2 são coordenadas por células T CD4+ Th1 e Th2, respectivamente. No entanto, no curso da infecção, ocorre morte por apoptose de linfócitos e a supressão da imunidade mediada por células T que se segue poderia contribuir para a persistência do parasita no hospedeiro. A apoptose foi detectada no baço, linfonodos mesentéricos e coração de animais infectados, assim como no tecido cardíaco de portadores da doença de Chagas crônica. Estudos anteriores sugeriram um papel patogênico para apoptose e que o seu bloqueio poderia ser um alvo para intervenção terapêutica.

 

As células apoptóticas e macrófagos

A remoção fagocítica (eferocitose) de células apoptóticas por macrófagos previne a liberação de material inflamatório por células mortas. Além disso, a ingestão de células apoptóticas induz resposta anti-inflamatória devido à produção de citocinas reguladoras, tais como IL-10 e TGF-b. Investigamos se a fagocitose de células apoptóticas afetaria a replicação intracelular do T. cruzi em macrófagos ou não. Macrófagos tratados com células em apoptose produziram prostaglandinas, TGF-b e poliaminas, o que favoreceu a replicação intracelular de T. cruzi. Além disso, houve inibição da produção de óxido nítrico, levando a uma atividade microbicida reduzida. A injeção de células apoptóticas aumentou a parasitemia em animais infectados e o tratamento com bloqueadores da síntese de prostaglandinas reduziu a parasitemia. Estes resultados sugerem que a apoptose de linfócitos contribui para a persistência do parasita e que as terapias destinadas a prevenir a apoptose podem melhorar a proteção imune do hospedeiro contra o parasita.

 

A apoptose e as caspases

A apoptose é um processo ordenado de morte celular desencadeada por enzimas conhecidas como caspases. É uma resposta a lesões bioquímicas ou sinais fornecidos pelos receptores da superfície celular. Os linfócitos T e B sofrem apoptose, contribuindo para a redução das respostas imunes. As células T passam por dois tipos de morte celular por apoptose: a morte celular passiva e a morte celular induzida por ativação. A morte celular passiva é induzida pela deprivação de fatores de sobrevivência e é mediada pela via mitocondrial de morte celular sob o controle da caspase-9. A morte celular também pode ser induzida após a re-estimulação das células T através do seu receptor de antígeno (TCR) e é mediada pelos receptores de morte celular e pela caspase-8. Os receptores de morte são codificados pela família gênica do receptor do TNF e os seus ligantes são codificados pela família do TNF. O receptor Fas (CD95) e o seu ligante FasL (CD178) constituem a principal, mas não a única via de apoptose das células T. A trimerização de Fas por FasL leva à formação do complexo de sinalização indutor de morte, uma plataforma molecular que inicia o processo de apoptose. Dímeros de caspase-8 ativa são formados, desencadeando uma cascata de ativação de caspases executoras que promovem a morte celular. A redução da resposta imune após a apoptose dos linfócitos sugere um papel imunorregulatório para a via Fas e a caspase-8. Além disso, a fagocitose de células apoptóticas por macrófagos induz a produção de citocinas tais como TGF-b, enquanto inibe a produção de IL-12. Estas alterações podem levar à regulação negativa de respostas Th1 e à indução de respostas mediadas por células T reguladoras (Treg).

 

Mecanismos de apoptose na doença de Chagas experimental

Tanto as células T CD4+ enquanto as células T CD8+ de camundongos infectados pelo T. cruzi expressam Fas e FasL e morrem após a ativação com agonistas de TCR. Esta morte celular pode ser bloqueada com anticorpos específicos para FasL. Células T CD8+ de camundongos infectados também morrem por deprivação de fatores e a adição de IL-2 ou IL-4 resgata as células de apoptose. A caspase-8 ativa é expressa por células T durante a infecção e a caspase-3 ativa é expressa por células T CD4+ e CD8+ de camundongos infectados. Os bloqueadores de caspase, tais como o peptídeo zVAD (inibidor pancaspase) e zIETD (específico para a caspase-8) bloqueiam a apoptose em células T obtidas de animais infectados. Em relação à produção de citocinas, tanto o tratamento com anti-FasL quanto a inibição da caspase-8 aumentou a produção de citocinas de tipo 2 (IL-4 e IL-10) produzidas por células T CD4+, e de IFN-γ por células T CD8+. Estes resultados sugerem (i) que as células T CD4+ e T CD8+ sofrem apoptose mediada por Fas/FasL, caspase-8 e caspase-3, e (ii) que a inibição da apoptose é capaz de modular a resposta imune na infecção pelo T. cruzi.

 

Inibição da apoptose durante a infecção pelo T. cruzi

Duas estratégias foram utilizadas para bloquear a apoptose na doença de Chagas experimental: O tratamento com anti-FasL ou com zVAD, utilizando o diluente ou o peptídeo ZFA como controles. A injeção de zVAD durante a fase aguda da infecção reduziu a apoptose de linfócitos e a parasitemia. Mais linfócitos foram recuperados a partir de órgãos linfoides e da cavidade peritoneal, incluindo células T ativadas. Macrófagos peritoneais foram mais ativados, produzindo mais citocinas e NO, mas contendo menos formas amastigotas. A resposta imune foi principalmente do tipo 1, com um aumento do número de células T CD8+, mas sem alterar a intensidade de infiltrados celulares no tecido cardíaco. É interessante notar que o tratamento de camundongos com benznidazol, uma droga usada na terapia da doença de Chagas, também induz o acúmulo de células T CD8+, devido à inibição da apoptose.

De maneira análoga, após o tratamento com anti-FasL, o número de células T CD8+ aumentou e a parasitemia foi reduzida. Após o controle da parasitemia, houve também aumento na produção de citocinas do tipo 2. Estes resultados sugerem que os anticorpos anti-FasL aumentam todas as respostas mediadas por células T CD4+ e CD8+ (Figura 1). As células T CD8 Ag-específicas que expressam níveis elevados de Fas também expressam um perfil pró-apoptótico correlacionado com respostas imunes defeituosas na infecção pelo T. cruzi. Mais ainda, uma vacina viral que expressa um antígeno do parasita preveniu o desenvolvimento de células T CD8 pró-apoptóticas e induziu imunidade eficaz por células T CD8 expressando citocinas e atividade citotóxica.

Novas abordagens nos permitiram mostrar que a apoptose de células T CD8, seguida de eferocitose, alteram o perfil funcional de macrófagos. O tratamento dos linfócitos T CD8 com anti-FasL promoveu a imunidade anti-T. cruzi, induzindo macrófagos protetores M1 e reduzindo a resposta M2.  Portanto, a apoptose e a eferocitose são alvos potenciais para melhorar a resposta imune dos linfócitos e dos macrófagos. Por isso, estudos adicionais podem revelar novas maneiras de modular a apoptose e a resposta imune específica para o parasita no curso da doença de Chagas.

 

Figura 1. O tratamento com anti-FasL melhora a resposta imune contra o T. cruzi. Os camundongos foram tratados com anti-FasL durante a fase aguda da infecção para bloquear as interações entre o receptor Fas e o seu ligante – FasL – na membrana das células (a) e na forma solúvel (b). Os efeitos anti-apoptóticos de anti-FasL são destacadas em vermelho. (A) Resposta imune local precoce. O anti-FasL inibe a apoptose de células T CD8+, que proliferam e produzem IFN-g. O IFN-g ativa os macrófagos peritoneais (Mf), que produzem NO e matam o parasita. (B) Resposta imune sistêmica tardia. Os linfócitos T (CD4+ e CD8+) e B do baço expressam Fas e FasL. O anti-FasL bloqueia a apoptose de células B e T ativadas, com aumento da produção das citocinas Th1 (IFN-g) e tipo Th2 (IL-4 e IL-10), assim como de anticorpos pelas células B.

 

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Citotoxicidade

Citotoxicidade em Chagas

Andréa Henriques Pons

Laboratório de Inovações em Terapias, Ensino e Bioprodutos, Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz

E-mail: andreah@ioc.fiocruz.br

 

Luzia Maria de Oliveira Pinto

Laboratório de Biologia das Interações, Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz

E-mail: lpinto@ioc.fiocruz.br

 

Aspectos gerais da citotoxicidade

Citotoxicidade é um termo abrangente que significa, em linhas gerais, morte celular induzida. Está presente em todos os organismos multicelulares e unicelulares e em mamíferos a citotoxicidade pode ser causada pela atividade lítica direta de uma célula citotóxica (atividade fagocítica e receptores de morte, por exemplo) ou pela secreção de moléculas líticas solúveis (defensinas, componentes do sistema complemento, TNF, perforina/granzimas, por exemplo).

Na infecção por T. cruzi a morte de certos tipos celulares estaria relacionada a diferentes quadros clínicos, contribuindo para a progressão da patologia. Neste contexto, tem sido descrito morte de cardiomiócitos na miocardiopatia, de células ganglionares do sistema nervoso periférico caracterizando a forma neuronal e das fibras musculares lisas e neurônios do plexo mientérico envolvidas nas “megas”-alterações do tubo digestivo. Além disso, é observada morte de linfócitos no timo e em órgãos linfóides secundários, tais como baço e linfonodo mesentérico. Há ainda lesões inflamatórias em outros órgãos e tecidos, como rins, fígado e musculatura esquelética.

 

Citotoxicidade na cardiomiopatia induzida pela infecção por T. cruzi

Desde a fase aguda da infecção pelo T. cruzi são observados infiltrados inflamatórios associados à destruição aparentemente necrótica de fibras cardíacas. Embora seja um fenômeno comumente observado, ainda não se sabe ao certo quais são as células e moléculas citotóxicas efetoras responsáveis pela destruição de cardiomiócitos. Entretanto, há algumas hipóteses, tais como:

 

Ciclo biológico

As lesões poderiam ser causadas pela contínua invasão e proliferação de parasitos no citoplasma das fibras cardíacas. Entretanto, o baixo nível de parasitismo tecidual e pseudocistos após a fase aguda são fortes argumentos contra esta hipótese.

 

Alterações na microcirculação

Durante as fases aguda e crônica da infecção são observadas alterações na microcirculação coronária, as quais podem estar envolvidas no desenvolvimento de miocitólise e fibrose. Vários pontos de constrição em arteríolas pontualmente associados a numerosos microaneurismas foram observados em camundongos infectados na fase aguda. Próximos aos pontos de constrição havia proeminente dilatação das paredes dos vasos, além de aparente angiogênese. Há ainda microespasmos, microtrombos, áreas de microdilatação, disfunção das células endoteliais e formação de trombos plaquetários. Em portadores da doença de Chagas também foi observada dilatação microvascular. Estas lesões vasculares podem gerar isquemias pontuais do tecido cardíaco devido ao insuficiente fluxo sanguíneo coronariano e promover lesões necróticas focais do miocárdio, edemas intersticiais, alterações eletrocardiográficas e eventualmente até a morte.

 

Denervação cardíaca

A infecção experimental e natural pelo T. cruzi induz extensa denervação intrínseca em diferentes órgãos que exibem alterações patológicas causadas pela doença. Neste órgão há destruição de células ganglionares parasimpáticas, o que poderia gerar um desbalanço entre o sistema nervoso simpático (SNS) e o parasimpático (SNP). Pode haver ainda uma correlação entre as constrições da microvasculatura e aumento da atividade simpática. Embora o SNP tenha apenas um suave efeito na vasodilatação coronariana, é possível que uma exacerbação do SNS contribua para as constrições na microvasculatura e para possíveis eventos espasmódicos levando os aneurismas.

 

Participação de células da imunidade inata

Granulócitos em geral são encontrados preferencialmente na fase inicial da formação de infiltrados e têm sido envolvidos tanto na proteção como no desenvolvimento da cardiopatia. Dentre os granulócitos, os neutrófilos constituem a população mais abundante e foi demonstrado que na presença de parasitos estas células se tornam ativadas e são capazes de matar inclusive mioblastos in vitro.

Com relação aos mastócitos, não há um consenso sobre a participação destas células na progressão da fibrose cardíaca e sua relevância na arritmia, uma vez que a maior parte dos dados na literatura se restringe à análise quantitativa e da localização das células em cortes de tecido.

 

Participação das citocinas e óxido nítrico

Recentemente foi proposto que algumas citocinas teriam efeito citotóxico sobre cardiomiócitos, por exemplo, IFNg e TNF-α (tumor necrosis factor). Estas citocinas poderiam induzir morte de cardiomiócitos através de mediadores secundários, tais como óxido nítrico (NO), espécies reativas de oxigênio, nucleotídeos cíclicos ou altos níveis intracelulares de cálcio. Foi ainda demonstrado que o próprio miócito é capaz de produzir IFNg e TNF-α. Além disso, também foi proposto que o NO participe da morte de neurônios durante a denervação do coração e também na morte de linfócitos. Desta forma, o NO teria um papel duplo, atuando no controle do parasitismo intracelular, mas também na morte de células imunocompetentes e, possivelmente, na progressão da miocardiopatia.

 

Morte celular dependente de anticorpo (ADCC)

Por muito tempo foi proposto que após a infecção o próprio sistema imune passaria a reconhecer moléculas cardíacas e induziria morte de fibras musculares (autoimunidade), uma vez que raramente se observavam antígenos do parasito na fase crônica da doença. Entretanto, com o avanço de técnicas mais sensíveis como a reação em cadeia de polimerase (PCR), a detecção de antígenos pôde ser feita também nesta fase da doença, e ainda pode-se observar reagudização em pacientes crônicos imunosuprimidos, por exemplo.

Apenas em ensaios in vitro foi observada alguma atividade citotóxica de células de baço ativadas contra fibras musculares infectadas ao se adicionar soro de animais infectados crônicos supostamente com auto-anticorpos (morte celular dependente de anticorpo (ADCC). Outros autores descreveram que anticorpos do soro de camundongos ou pacientes crônicos reconheceriam receptores muscarínicos em corações isolados de ratos e coelhos. Neste caso, não haveria morte celular, mas sim alteração da função cardíaca autonômica pela ligação dos auto-anticorpos aos receptores cardíacos.

 

Participação das células T citotóxicas

Dentre as diversas propostas de vias e células envolvidas na morte de cardiomiócitos na infecção pelo T. cruzi, a participação das células T citotóxicas é sem dúvida a que tem recebido maior atenção.

Martin e Tarleton, numa revisão bibliográfica recente, e Tzelepis e colaboradores vêm apresentando evidências de que a resposta mediada pelos linfócitos T CD8 é crucial à geração da imunidade contra o T. cruzi. Entretanto, essas células poderiam contribuir ao estabelecimento da miocardite crônica, uma vez que existe predominância dessas no tecido cardíaco de camundongos infectados pelo T. cruzi e também, frequência aumentada de linfócitos T CD8 expressando granzima A no coração de portadores da doença de Chagas crônicos. Desta forma, a participação dos linfócitos T CD8 na imuno-regulação e/ou patogênese da infecção pelo T. cruzi ainda é discutida.

Os linfócitos T CD8 medeiam diferentes mecanismos efetores no combate às infecções, como por exemplo, através da expressão e secreção de citocinas e quimiocinas e/ou da indução de atividade citolítica (LTC, linfócitos T citotóxicos) (revisado por Andersen e colaboradores em 2006). Em alguns modelos de infecção experimental e humana a heterogeneidade funcional da população de células T CD8, as T CD8 inflamatórias IFNgpos/Granzimaneg versus as T CD8 citotóxicas IFNgneg/Granzimapos, influenciaria a resposta imunoprotetora.

Nós pretendemos neste capítulo apresentar a literatura mais recente sobre a atuação dos LTC na infecção chagásica, discutindo brevemente a atuação dessas células na imunidade protetora, apresentando dados do seu envolvimento na miocardite e finalmente, levantando a hipótese de que sub-populações efetoras de células T CD8 modulariam diferencialmente o dano tecidual.

 

Identificação de epitopos do T. cruzi indutores de resposta de LTC

Em 1997, Wizel e colaboradores identificaram pela primeira vez epitopos dos antígenos de superfície da forma tripomastigota (TSA-1) do T. cruzi que mostraram-se indutores de resposta de LTC, conferindo imunidade protetora após transferência dessas células para animais infectados. Essa imunidade protetora foi confirmada pelo autor e grupo em 1998 após imunização de diferentes linhagens de camundongos com plasmídeo contendo DNA expressando TSA-1, seguido por desafio com o T. cruzi. Além da TSA-1, peptídeos derivados das proteínas de superfície da forma amastigosta, as ASP-1 e -2 induziam resposta de LTC na infecção pelo T. cruzi de camundongos segundo trabalho publicado por Low e colaboradores em 1998. Em portadores da doença de Chagas, outro estudo de Wizel em 1998 evidenciou pela primeira vez epitopos de LTC oriundos das ASP-1 e -2 e TSA-1 restritos ao HLA-A 2.1. Atualmente, ensaios de citotoxicidade in vivo utilizando o CFSE (carboxyfluorescein diacetate, succinimidyl ester) e marcação com tetrâmeros de MHC (complexo principal de histocompatibilidade) de classe I constituem novos métodos para a avaliação funcional da resposta de LTC específica. Neste contexto, em ensaios realizados por Tarleton e Martin em 2005, esplenócitos de animais saudáveis eram marcadas com alta ou baixa concentração de CFSE (CFSEHIGH ou CFSELOW). Enquanto as células CFSEHIGH eram colocadas em contato com uma mistura de peptídeos derivados da trans-sialidase (TS) do T. cruzi, as CFSELOW não. Em seguida, ambas as células eram transferidas para animais infectados cronicamente e após 16 horas, as células dos animais crônicos eram isoladas e feita análise por citometria de fluxo. Os dados demonstraram mais de 90% das células CFSEHIGH eliminadas, indicando atividade citotóxica específica na fase crônica da infecção. De forma interessante, o grupo de Maurício Rodrigues demonstrou que células T CD8 específicas ao TS (H-2Kd) ou a ASP-2 (H-2Kb) apresentavam atividade citotóxica e indutora de IFNg detectáveis no 15° dia pós-infecção, após o pico de parasitemia, seguidas de um declínio ainda detectável no curso da infecção.

 

Interação das células T CD4 e CD8 na atividade citotóxica

Em 2007, estudos vêm abordando a dependência das células T CD4 na eficiência da resposta de LTC na infecção pelo T. cruzi. Neste contexto, Tzelepis e colaboradores observaram que a expansão dos LTC específicos era dependente da presença das células T CD4 e daquelas restritas ao reconhecimento pelo MHC de classe II. Contrastando com os dados anteriores, estudo de Padilla e colaboradores observaram que a atividade citolítica dos LTC de animais deficientes de MHC de classe II e selvagens foi similar. Segundo os autores, a presença das células T CD4 seria dispensável a resposta primária, porém a memória imunológica não pôde ser avaliada, uma vez que os animais MHC classe II-/- são altamente susceptíveis.

 

Ativação da via perforina/granzima

A morte da célula-alvo através da interação direta com o LTC pode ser induzida pela perforina, uma via citolítica altamente regulada, envolvendo interação específica dos LTC ao complexo peptídeo antigênico/ MHC na célula-alvo. O envolvimento da perforina na infecção pelo T. cruzi foi inicialmente estudado em 1997 por Bisaggio e colaboradores. Neste estudo, os autores ao tratarem as diferentes formas do T. cruzi com perforina purificada não observaram modificações morfológicas nem alteração na capacidade infectiva do parasito. Entretanto, embora o parasito per si não tenha sofrido alterações com a adição da perforina, os macrófagos infectados eram destruídos com o tratamento, sugerindo um mecanismo de escape à citotoxidade pelo parasito. In vivo, o papel da perforina vem sendo estudado em camundongos geneticamente deficientes na proteína (PKO) infectados em diferentes condições experimentais (diferentes inóculos e cepas do T. cruzi), resultando em conclusões contraditórias pelos autores. Assim, Kumar e Tarleton (1998) ao infectarem animais PKO, deficientes de granzima B (GzmB) e animais selvagens com a cepa Brazil observaram parasitemia, mortalidade e resposta inflamatória similares em todos os grupos de animais na fase aguda, sugerindo que a via perforina/granzima não seja requerida no controle da infecção. Num outro estudo, Nickell e Sharma (2000) demonstraram que a infecção com alto inóculo da cepa Y levava ao descontrole da parasitemia e aumento da mortalidade, enquanto que a infecção com baixo inoculo induzia parasitemia transitória e sobrevivência dos animais PKO, sugerindo imunidade anti-T. cruzi dependente e independente da perforina. Ainda utilizando a cepa Y do T. cruzi, Henriques-Pons e colaboradores (2002) infectaram animais PKO e não observaram alteração no controle do parasito na fase aguda da infecção, embora os animais PKO apresentassem intenso infiltrado inflamatório cardíaco com predomínio de linfócitos T CD8 e necrose de cardiomiócitos, indicando o envolvimento da perforina na imunopatogênese da infecção. Além das células T CD8, as células NK constituem uma outra população de células citotóxicas importante na fase inicial da infecção pelo T. cruzi com capacidade anti-parasitária dependente de contato, embora aparentemente por uma via independente da perforina. Dados ainda não publicados de Silverio, Oliveira-Pinto e colaboradores demonstraram aumento da frequência de células perforina+ no tecido cardíaco de animais C57BL/6 infectados nas fases aguda e crônica com a cepa Colombiana do T. cruzi. Neste modelo de infecção, animais PKO apresentaram parasitemia e parasitismo cardíaco mais elevado comparado aos animais selvagens na fase aguda. Na fase crônica, foi observado controle do parasito em ambos os grupos de animais com 100% de sobrevivência. Assim, foi sugerido o envolvimento da perforina na imunidade protetora anti- T. cruzi principalmente na fase aguda, enquanto que na fase crônica, outros mecanismos imunológicos estariam atuando no controle da infecção.

 

Ativação da via CD95/CD95L

Outra via citotóxica importante é a mediada por CD95/CD95L, na qual células CD95L+ levam à morte células expressando o ligante CD95-L (Fas-L), sem especificidade antigênica (revisado por Andersen et al., 2006). Os primeiros trabalhos sobre o papel da via CD95/CD95-L na infecção pelo T. cruzi observaram expressão aumentada do receptor e ligante nas células T CD4, T CD8 e linfócitos B, levando à morte celular induzida por ativação (AICD para activation-induced cell death). Essa maior atividade lítica levava a uma exacerbação da replicação do parasito e aumento da parasitemia nos ensaios in vitro e in vivo.

Numa tentativa de compreender a importância da citotoxicidade via CD95/CD95-L na modulação da imunidade anti-T. cruzi, Martins e colaboradores (1999) observaram que o IFNg participava ativamente da apoptose, uma vez que induzia a expressão de CD95/CD95-L após infecção. Complementando os dados anteriores, estudos em animais gld/gld ou lpr/lpr, deficientes de CD95-L e CD95 respectivamente, demonstraram maior susceptibilidade à infecção, comparado aos animais selvagens, provavelmente pelo aumento da produção de citocinas de perfil TH2 e diminuição de ON. Recentemente, o papel da via CD95/CD95L na imuno-regulação da infecção chagásica foi re-avaliada em experimentos de bloqueio in vivo através da injeção de anti-CD95L em animais infectados. Nos animais tratados com anti-CD95L, mas não com anti-TNF ou anti-TRAIL, foi observado inicialmente bloqueio da AICD de linfócitos T CD8 produtores de citocinas de perfil TH1 e mais tardiamente, de linfócitos T CD4 produtores de citocinas de perfil TH2. O acúmulo dessas sub-populações celulares levava ao controle eficiente do parasito.

Desta forma, é provável que diferentes vias de citotoxicidade contribuam distintamente e de forma complementar na imunidade anti-T. cruzi como demonstrado no trabalho de Muller e colaboradores (2003). Neste último, animais PKO/Gzm-/- ou lpr infectados pela cepa Tulahuén mostraram que o controle do parasito é dependente da ação de perforina e granzimas, mas a patogênese e a resistência à infecção eram controladas pelas moléculas CD95/CD95-L. Desta forma, os dois sistemas citolíticos contribuiriam distintamente e de forma complementar no curso da infecção pelo T. cruzi.

 

Caspases na infecção pelo T. cruzi

Dentre as proteínas intracelulares efetoras da morte celular, as caspases (revisado por Siegel e colaboradores, 2006) têm sido avaliadas no contexto da infecção pelo T. cruzi. Utilizando animais transgênicos com inibição da ativação da pró-caspase-8 ou animais selvagens tratados in vivo com um pan-inibidor de caspases, o grupo de George dos Reis e Marcela Lopes observou controle do parasito, indução de resposta de perfil TH1 e, mais especificamente no último estudo, ativação da imunidade celular e aumento da frequência de células T de perfil ativada e de memória. Os autores propõem então a utilização de inibidores de caspases como alvos terapêuticos no tratamento da doença de Chagas.

 

Citotoxicidade na geração da miocardite e cardiomiopatia chagásica

Diferentes mecanismos de citotoxicidade e mediadores inflamatórios solúveis, assim como a predominância de determinadas populações celulares, estariam regulando o balanço entre uma resposta inflamatória tecidual protetora, envolvida no controle do parasito, e aquela ineficiente ou, mesmo, danosa, que levaria à lesão tecidual durante a infecção pelo T. cruzi. Certamente ainda há diversos pontos a serem estudados, como, por exemplo, a demonstração de Leavey e Tarleton (2003) que observaram que a maioria dos linfócitos T CD8 infiltrantes no coração, com fenótipo de células ativadas e/ou memória, apresentava funcionalidade imunológica atenuada (capacidade produtora de IFNg e citotoxicidade), o que poderia contribuir para o descontrole do parasito e resposta inflamatória danosa.

A relevância da citotoxicidade na regulação da miocardite chagásica vem sendo abordada recentemente por dois estudos. No primeiro, publicado por Henriques-Pons e colaboradores (de Oliveira e colaboradores, 2007), a via CD95/CD95-L mostrou ser extremamente relevante no controle da miocardite, uma vez que animais gld/gld infectados apresentaram infiltrado inflamatório reduzido no coração, predomínio de células T CD4 e menor lesão de cardiomiócitos. Entretanto, os animais gld/gld foram mais susceptíveis à infecção devido ao colapso renal, mas não à miocardite.

Diferente dos estudos anteriores em animais PKO que analisavam somente a fase aguda da infecção pelo T. cruzi, dados ainda não publicados de Silverio, de-Oliveira Pinto e colaboradores (2007) demonstraram níveis similares de células inflamatórias no tecido cardíaco de animais PKO e selvagens infectados pela cepa Colombiana na fase aguda, mas com predomínio de células T CD4+, IL-4+ e produtoras de óxido nítrico sintase induzida (iNOS+) associadas com intenso parasitismo nos animais PKO. Na fase crônica, foi observado nos animais selvagens aumento da frequência de células perforina+, mas diminuição de células IFNg+, no tecido cardíaco e aumento de marcadores de lesão cardíaca (como CK-MB) no soro, em relação aos animais PKO.

Em conclusão, é possível que haja diversos mecanismos citotóxicos atuando em conjunto, além de fatores individuais como sexo, idade, estado nutricional, histórico familiar de doenças renais e cardíacas e outros. Desta forma, gerando uma patologia altamente complexa no que diz respeito ao delicado balanço entre proteção versus doença.

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Imunorregulação

Regulação da resposta imunológica na doença de Chagas

Luzia Maria de Oliveira Pinto

Laboratório de Biologia das Interações, Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz

E-mail: lpinto@ioc.fiocruz.br

 

Vinícius Cotta de Almeida

Laboratório de Biologia Celular, Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz

E-mail: vca@ioc.fiocruz.br

 

Equlíbrio entre resposta imune eficiente e imunopatologia

A recuperação de uma infecção requer a produção de uma resposta imune eficiente que possa eliminar ou controlar o agente patogênico. No entanto, no período seguinte à infecção, a resposta imune induzida poderia também ser diretamente responsável pela geração de patologias. A infecção pelo Trypanosoma cruzi representa um modelo apropriado e interessante para aproximar-se do equilíbrio entre a resposta imune eficiente e imunopatologia. Apesar dos avanços importantes alcançados nos últimos anos, a regulação destes processos não é completamente compreendida. Neste capítulo, pretendemos apresentar alguns dos principais mecanismos celulares que permitem a maioria dos indivíduos infectados controlar o parasita de uma forma não-estéril, através de uma resposta imune eficiente, enquanto que uma pequena porcentagem de pacientes sucumbe em consequência de desregulação da resposta imune. Além disso, abordaremos alguns dos potenciais mecanismos imunes que são fundamentais para a evolução da infecção.

 

Envolvimento de componentes “imuno-efetoras” na infecção pelo T. cruzi

Componentes clássicos do sistema imune inato, tais como células dendríticas (DC), macrófagos e células NK parecem desempenhar um papel crucial na imunidade anti-T. cruzi. Além disso, várias moléculas de superfície do parasita foram identificadas como determinantes da ativação de mecanismos de defesa inatos. Entre estes, âncoras de glicosilfosfatidilinositol (GPI) devem ser destacadas. Elas são GPIs ligadas covalentemente a glicoproteínas tipo mucina (mucinas GPI) e da enzima trans-sialidase (TS) (como revisto por Gazzinelli e Denkers, 2006). No sistema imune inato, receptores de reconhecimento de padrões (PRRs) expressos em células apresentadoras de antígeno (APC), macrófagos e DC, reconhecem os padrões moleculares associados a agentes patogênicos (PAMPs). Dentre as diversas PRRs, receptores do tipo Toll (Toll-like receptors, TLR) são os mais estudados. Cada membro desta família reconhece alguns componentes essenciais presentes em diferentes microorganismos e, atuando em conjunto, estes receptores podem reconhecer a maioria dos patôgenos.

Vários estudos têm abordado o envolvimento dos TLRs na infecção pelo T. cruzi. Campos e colaboradores (2001) observaram que os macrófagos de camundongos deficientes em TLR2 (TLR2-/-) não produzem citocinas pró-inflamatórias após estimulação com GPI. De modo semelhante, os macrófagos isolados de camundongos TLR6-/- foram incapazes de responder à estimulação com GPI, sugerindo que o complexo heterodímero TLR2-TLR6 e a molécula de CD14 podem ser responsáveis pelo reconhecimento de GPI. In vivo, a ceramida contendo GPI desencadeia a produção de quimiocinas, tais como o ligante de quimiocina CXC-2 (CXCL2), em camundongos de tipo selvagem, mas não em animais que expressam um TLR4 não-funcional. TC52, uma outra proteína derivada de T. cruzi, também induz a síntese de citocinas pró-inflamatórias em células do hospedeiro através de TLR2. Além disso, o DNA do T. cruzi, possivelmente através de motivos de DNA CpG não metilado, pode estimular a ativação de macrófagos e DC de um modo dependente de TLR9.

A ativação de APC via TLRs 2, 4, 6 e 9 desencadeia a fosforilação da proteína quinase ativada por mitógeno (MAPK) – um inibidor do fator nuclear κB (IB), resultando na indução de genes de citocinas pró-inflamatórias, tais como TNF, o IFNg, IL-12, que são importantes controladores de replicação do parasita. Também foi demonstrado que DC obtidas de animais infectados apresentam diminuição da maturação, migração e apresentação de antígeno MHC de classe I. Estes dados sugerem que um tal desregulação comprometeria a resposta celular, facilitando a persistência do parasita no hospedeiro.

O papel dos macrófagos na resposta a uma infecção também é crucial, uma vez que este é uma das principais células alvo para o parasita e, devido à sua atividade de resistência à infecção, principalmente relacionada à produção de citocinas pró-inflamatórias (por exemplo, TNF-a) e componentes microbicidas (por exemplo, óxido nítrico – NO).

Como uma fonte primária inicial de IFNg em infecção aguda por T. cruzi, células NK (natural killer) tem um papel fundamental no controle de parasitas. O IFNg derivado das células NK potencialmente aumenta a produção de IL-12 em macrófagos, promovendo a ativação da célula NK e a diferenciação de células Th1 específicas ao parasita, assim como a inibição da resposta de células Th2. De fato, demonstrou-se que a depleção de células NK resultou num aumento da parasitemia e mortalidade de camundongos em fase aguda de infecção. Por outro lado, a administração de IFNa e -b, que são capazes de estimular a atividade das células NK, induziu resistência ao parasita.

Particularmente, é importante mencionar os estudos sobre o papel das células T gd e subconjuntos de células NKT, uma vez que estas pequenas subpopulações de células T apresentam papéis imunomoduladores sobre infecções. A depleção de células T gd Vg1 parece regular positivamente a resposta Th1 durante a infecção pelo T. cruzi, tal como observado a partir de diminuição de IFNg por células T CD4+ e CD8+, que está associado com a redução da inflamação cardíaca e aumento da mortalidade em animais infectados.

O papel das células NKT, que produzem níveis elevados de citocinas após estimulação com glicolípidos (que se ligam a moléculas CD1d, MHC de classe I), foi recentemente abordado na infecção pelo T. cruzi. No entanto, o seu papel permanece controverso. Um estudo demonstrou que, após a infecção com a cepa CL do T. cruzi, camundongos deficientes em todos os tipos de células NKT apresentaram resposta anti-parasita moderada e inflamação cardíaca, enquanto que camundongos deficientes nas células iNKT clássicos (células que carregam a invariante Va14Ja18 do TCR) mostrou uma forte resposta inflamatória e aumento da mortalidade. Mais tarde, foi demonstrado que camundongos C57BL/6 infectados com a cepa CL do T. cruzi e pré-tratadas com α-galactosil-ceramida (GalCer-α, um glicolípido que se liga a CD1d) foram protegidos contra a infecção de uma forma dependente da IFNg, mediada por iNKT, células T CD4+ e CD8+, e de fagócitos, mas independente de células NK, sugerindo um papel importante para as células NKT clássicos. Por outro lado, um relatório anterior com camundongos deficientes em CD1d (isto é, deficiente em todas as células NKT) infectados com a cepa Y do T. cruzi mostrou que estes camundongos se comportaram de modo semelhante aos camundongos controles.

A resposta imune adaptativa, com a ação combinada de linfócitos T CD4+ e CD8+, bem como de linfócitos B, provou ser crítica para a resistência contra o parasita através da secreção de citocinas, citotoxicidade ou a secreção de anticorpos específicos. Apesar do papel central das células T CD4+ na imunidade e na produção de anticorpos anti-T. cruzi, a sua presença como um contributo essencial para a geração de uma resposta imune eficiente foi recentemente desafiado. No estudo de Padilla e colaboradores (2007), ambos camundongos, deficientes em MHC de classe II e C57BL/6 infectados com a cepa Brazil do T. cruzi apresentaram aumento do número de células T CD8 específicas para os peptídeos TSKB18 e TSKB20 da trans-sialidase. Além disso, camundongos deficientes em MHC de classe II mostraram resposta específica funcional de CTL (linfócitos T citotóxicos), como observado a partir da produção de IFNg e da atividade citotóxica, mesmo que as células apresentem menor capacidade migratória nos tecidos periféricos. Em contraste, Tzelepis e colaboradores (2007) relataram que os camundongos infectados com a cepa Y do T. cruzi tem a expansão e a diferenciação de células T citotóxicas CD8+ específicas para o T. cruzi dependente tanto da replicação do parasita quanto de células T CD4 + restritas ao MHC de classe II.

A imunoproteção mediada por linfócitos T CD8+ na infecção pelo T. cruzi foi evidenciada, por exemplo, em estudos com camundongos deficientes em CD8, que rapidamente sucumbem à infecção, e mostram um aumento de parasitismo e ausência de resposta inflamatória nos tecidos. No entanto, a função das células T CD8+ nos diferentes compartimentos do hospedeiro durante a infecção pelo T. cruzi permanece pouco compreendida. Atualmente, novos métodos para a avaliação funcional da resposta de CTL específica foram estabelecidos, resultando em avanços nesta área. Estes métodos são os ensaios da citotoxicidade in vivo, utilizando marcação com CFSE (diacetato de carboxifluoresceína, éster de succinimidilo), a avaliação de células T produtoras de IFNg por ELISPOT (immunospot) ou por citometria de fluxo, bem como a avaliação da frequência de CTL específicos através de coloração com tetrâmeros de MHC de classe I. O último permitiu a identificação, por exemplo, de uma elevada frequência de linfócitos T CD8+ específicos para os peptídeos imunodominantes da trans-sialidase de T. cruzi, o que pode ser detectado na fase crónica de animais infectados e portadores da doença de Chagas. Além da frequência, a eficiência dos linfócitos T CD8 em diferentes tecidos alvo é também um assunto de estudo. Leavey e Tarleton (2003) demonstraram que a maioria das células T CD8+ presentes em tecido muscular são células que expressam marcadores da superfície celular de memória e de função efetora, mas têm uma função efetora nitidamente atenuada quando comparada com os seus homólogos esplênicos. A disfunção de células T CD8+ no tecido muscular sugere um mecanismo pelo qual o T. cruzi pode persistir nesse local e causar dano inflamatório.

Em um estudo com animais cronicamente infectados com a cepa Brazil, Martin e Tarleton (2005) observaram que as células T CD8 esplênicas, após re-estimulação antigênica específica in vitro, mostraram um perfil fenotípico de células de memória totalmente diferenciadas, com a proliferação homeostática, produção de IFNg e citotoxicidade. Estes estudos indicam uma diferença na funcionalidade celular dependendo do tecido, onde as células se encontram.

Estudos de reinfecção também têm contribuído para a compreensão da eficácia da imunidade do anti-T. cruzi. Marinho e colaboradores (2004) observaram um aumento do número de esplenócitos produtores de IFNg, acúmulo de macrófagos e DC, bem como um aumento da frequência de linfócitos B, T CD4+ e CD8+ no baço de camundongos infectados com a mesma cepa um ano após a infecção primária. Além disso, os autores observaram parasitemia subpatente, indicando a eficiência dos mecanismos de ação contra o T. cruzi, contudo as lesões crônicas não foram avaliadas neste modelo.

Em um estudo com portadores da doença de Chagas agrupados de acordo com diferentes graus de disfunção cardíaca, Albareda e colaboradores (2006) observaram que indivíduos com nenhum ou envolvimento cardíaco leve eram mais propensos a montar respostas memória de células T produdoras de IFNg específicas para o T. cruzi do que indivíduos com doença cardíaca avançada. Além disso, a população de células T CD8+ específicas para o T. cruzi foi enriquecida em células precocemente diferenciadas (CD27+CD28+) em indivíduos respondedores. Em contraste, a frequência de células CD27+CD28+ CD8+ na população total de células T CD8 de memória diminui, a medida que a doença torna-se mais grave, enquanto a proporção de células T CD8+ de memória totalmente diferenciadas (CD27-CD28-) aumenta, o que sugere aumento da presença de células que entram exaustão clonal. A manutenção de uma frequência mais elevada de células T de memória em uma resposta secundária implica em controle mais eficiente do agente patogênico na reinfecção. Neste sentido, encontrar um regime para a geração de células T de memória eficientes pode ser necessário para futuras estratégias de vacinação.

O envolvimento dos linfócitos T CD8+ na geração da miocardite crônica e cardiopatia tem sido abordado, uma vez que estas células predominam em infiltrados inflamatórios presentes no tecido cardíaco de camundongos infectados e portadores da doença de Chagas crônica. Vários relatórios sugerem que a migração e acúmulo preferencial destas células em tecidos-alvo pode estar relacionado com o aumento da expressão de citocinas como IFNg, TNF, IL-6 e IL-4, de classe I e moléculas de II do HLA, e de moléculas de adesão e quimiocinas induzidas por IFNg e os seus receptores (MCP-1, IP-10, a MIG e CCR2, CCR5 e CXCR3). Além disso, Fonseca e colaboradores (2007) relataram que o acúmulo de células T CD8+ pode estar relacionado com uma resposta preferencial para fatores de crescimento tais como IL-7 e IL-15, dado que, em lesões cardíacas em pacientes crônicos, essas células expressam elevados níveis da cadeia α do receptor de IL-15 (IL-15R a) e da cadeia g da citocina (CD132).

Curiosamente, Cardillo e colaboradores (2007) abrir uma nova contribuição a partir de linfócitos B na imunidade contra T. cruzi. Após infectar camundongos sem células B maduras com baixo inóculo da cepa Tulahuem do T. cruzi, eles observaram uma redução na frequência de linfócitos T CD8+ de memória central (CD44high/CD62Lhigh) e efetoras (CD44high/CD62Llow) no baço e no infiltrado inflamatório de músculo esquelético (CD8+CD45RBlow) destes animais. Além disso, estes animais apresentavam um infiltrado inflamatório reduzido e aumento do número e tamanho dos ninhos de parasitas, sugerindo uma pobre ativação de linfócitos infiltrantes CD8+ e, consequentemente, uma menor resistência à infecção na ausência de linfócitos B.

Recentemente, Marinho e colegas (2007) reafirmaram o papel crucial do IFNg na imunidade anti-T. cruzi. Em um estudo com camundongos imunocompetentes e imunodeficientes infectados com uma cepa de baixa virulência, a Sylvio X10/4. Em contraste, com os modelos experimentais usando cepas altamente virulentas que resultam na morte do hospedeiro na infecção aguda, os autores observaram uma contribuição relativa de NO e de células CD4+, CD8+ e CD28+ e confirmaram o papel do IFNg. Os autores sugerem um efeito compensatório do IFNg em animais imunodeficientes, já que essa citocina induz vários mecanismos imunoprotetores, incluindo a atividade tripanossomicida de macrófagos (através da produção de NO), indução de MHC de classe II e expressão de TLR, polarização das células T CD4+, direcionamento da resposta de isótipo para IgG2a e produção de quimiocinas.

 

O envolvimento de componentes celulares imunorreguladores na progressão da infecção pelo T. cruzi

Um conceito atual sobre a evolução crônica da infecção pelo T. cruzi mostra uma exacerbada resposta inflamatória deletéria nos órgãos-alvo como resultante de uma resposta imune específica para os poucos parasitas nesses órgãos. Entre os componentes inflamatórias exacerbadas, os altos níveis de IFNg parece ser crítico. Este postulado parece paradoxal, se levarmos em conta que uma resposta anti-parasita eficaz é crucial para controlar a infecção e a consequente progressão para formas clínicas graves da doença. Na verdade, Laucela e colaboradores (2004) demonstraram uma correlação inversa entre a gravidade da doença de Chagas e a produção de IFNg por células T CD8+, em resposta a peptídeos do T. cruzi ou lisado total do parasita. Estes resultados, juntamente com o achado de aumento da resposta imune em pacientes que vivem em áreas endêmicas, sugerem que a produção de IFNg por células T CD8 de memória é crucial para o controle da infecção e da progressão para as formas clínicas sintomáticas graves da doença. No entanto, nesse ponto, é importante salientar o papel crítico para alguns dos vários componentes imunorreguladores capazes de controlar uma possível resposta deletéria na sequência de uma resposta imune efetora.

Estudos anteriores revelaram a função das citocinas imunorreguladoras IL-10 e TGF-β no curso da infecção pelo T. cruzi. A presença destas citocinas foi relacionada com um aumento da suscetibilidade à infecção, possivelmente relacionado com a inibição da atividade tripanossomicida mediada por IFNg. Na verdade, a associação entre os mecanismos efetores e  patológicos em resposta ao parasita pode ser observada com os estudos de resposta anti-parasita mais eficaz associada à inflamação aumentada e mortalidade em camundongos deficientes de sinalização em IL-10 ou IL-27. Neste contexto, alguns estudos compararam a participação de ambos os subtipos reguladores e efetoras e entre pacientes assintomáticos e pacientes com a forma cardíaca grave da doença de Chagas. Gomes e colaboradores (2003) observaram uma menor frequência de células T produtoras de IFNg no grupo de pacientes assintomáticos. Além disso, o agrupando esses pacientes como altos e baixos produtores de IFNg, revelou que os baixos produtores apresentam números aumentados de células CD14High secretoras de IL-10.

A participação das células T imunorreguladores com atividade imunossupressora, como as células NKT (CD3+CD56+) e as células T reguladoras (CD4+ naturais CD25HighFoxP3+), também foi abordada. Vitelli-Avelar e colaboradores (2005) demonstraram que pacientes assintomáticos apresentaram um aumento na frequência dessas células reguladoras concomitantemente ao elevado número de células T efetoras e de células NK. Da mesma forma, a frequência mais baixa destas células em pacientes com a forma cardíaca grave da doença está relacionada com o aumento do número de células T CD8+ efetoras. Além disso, pacientes assintomáticos mostraram um aumento da frequência de células IL-10+ dentro do subconjunto CD4+ CD25HighFoxP3+. No entanto, um estudo recente com camundongos sugere que as células CD4+CD25 + não são cruciais na imunorregulação do anti-T. cruzi resposta, uma vez que a depleção das células CD4+CD25+ não resultou em nenhuma alteração do curso da infecção aguda ou crônica.

Um último aspecto a ser mencionado é a modulação da resposta imune específica após o tratamento com a droga anti-T. cruzi benznidazol (Bz). As crianças com doença de Chagas assintomática tratadas com Bz mostraram aumento do número de células CD8+ e NK altas produtoras de IFNg, juntamente com números crescentes de células CD4+IL-10+ e de linfócitos B. Estes dados apontam para uma regulação fina na qual as células efetoras anti-parasita e as células imunossupressoras são concomitantemente moduladas pelo tratamento com Bz.

 

Conclusões

Aqui, nós resumimos parte dos dados na literatura a cerca de componentes reguladores presentes na resposta imune anti-T. cruzi efetora e eficiente, e na sua desregulação. No geral, os mecanismos imunes resultantes das várias interações celulares que desempenham um papel na resposta anti-parasita, juntamente com o papel para a suscetibilidade genética do hospedeiro, são possíveis de produzir uma patologia altamente complexa que impõe dificuldades para a geração de vacinas eficazes e outras imunoterapias. Portanto, além do desenvolvimento de medicamentos anti-parasita, novas estratégias terapêuticas devem incluir a regulação da função imune celular e componentes inflamatórios como alvos críticos na doença de Chagas.

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