Saúde/ Doença

O processo dinâmico saúde-doença

Danielle Grynszpan

Laboratório de Biologia das Interações, Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz

E-mail: danielle@ioc.fiocruz.br

 

É preciso chamar a atenção para o fato de que não existe saúde total nem um estado absoluto de doença; o que há é um processo de saúde/doença que se desloca claramente no sentido da doença – no caso a de Chagas – quanto pior forem as condições sócio-ambientais. De modo geral, as doenças, em especial as infecto-parasitárias, são produto do maior desequilíbrio ambiental e da menor eqüidade social!

Conforme indica o Guia de Vigilância Epidemiológica, recentemente publicado pelo Ministério da Saúde (2014), um conjunto de ações de baixo custo podem ser realizadas visando à promoção da saúde.

Porém, só pela educação as populações poderão perceber as origens dos problemas e se apropriar do conhecimento sobre as estratégias de intervenção necessárias – desta forma, com participação social, as soluções serão construídas coletivamente e o processo, dinâmico, se reverterá no sentido da saúde de forma gradual, mas duradoura.

Atenção! Um processo educativo é longo, não é imediato, e não pode se resumir em informação que se transmite unidirecionalmente. Educação em ciência, saúde e meio ambiente demanda trocas culturais das quais participam todos os atores sociais: cientistas, profissionais da saúde, professores, trabalhadores rurais, escolares, entre outros – todos igualmente importantes na luta por melhores condições de vida e saúde!

 

Desmatamento e ciclos rompidos: chagas que se abrem

Embora o assunto ainda seja polêmico, o risco da doença de Chagas se manter endêmica é cada vez maior, segundo alguns cientistas, pelas seguintes razões: a) migração de populações humanas infectadas de suas regiões de origem, acompanhadas de animais domésticos (como cães e gatos) ou outros reservatórios e vetores ( igualmente infectados pelo Trypanosoma cruzi)  que já estão adaptados às condições domiciliares; b) desmatamento e colonização descontrolados, alterando o equilíbrio entre reservatórios e vetores silvestres; c) adaptação favorável de reservatórios e vetores silvestres, com o Trypanosoma cruzi, aos entornos peridomiciliares como alternativa alimentar (além do homem, animais domésticos ou que cohabitam com ele, como gambás e roedores podem ser infectados). Foram relatados recentemente, no Paraná, casos da forma aguda da doença de Chagas que devem ter ocorrido por transmissão oral após ingestão de caldo de cana contaminado com fezes de barbeiros silvestres.

 

Risco de expansão da endemia: educação e cidadania

O risco de que a doença de Chagas se torne endêmica também na Amazônia brasileira está ligado prioritariamente à transposição do ciclo silvestre para o doméstico. A endemia na Amazônia pode advir, igualmente, do ciclo doméstico já estabelecido em áreas endêmicas de outras regiões do país, como a Sudeste. Sabe-se que entre os principais fatores ligados ao risco de propagação das endemias está o baixo índice de desenvolvimento humano: o investimento em educação tem sido insuficiente, o que vem contribuindo para a devastação ambiental.

Queimadas e todo tipo de desmatamento vêm acompanhando as migrações humanas em busca de melhores condições de vida e trabalho, problema que vem se expressando pela carência de construção de habitações saudáveis. Casas precárias, como as de “pau-a-pique” ou de taipa facilitam, ou mesmo promovem, a domiciliação dos insetos vetores (barbeiros). A falta de saneamento ambiental está associada à falta de mobilização social – melhores condições de vida são fruto de conquista. Um trabalho de educação ambiental, integrado à educação em saúde, deve ser desenvolvido para que as populações possam reivindicar o direito à saúde garantido pela “Constituição Cidadã” do Brasil de 1988:

“A SAÚDE É DIREITO DE TODOS E DEVER DO ESTADO”

 

Estados (Amazônia, Ceará, Rio de Janeiro e São Paulo)

 

 

  1. A Doença de Chagas na Amazônia

A Amazônia brasileira é uma região conhecida por suas riquezas naturais, e especialmente pela biodiversidade – e esta é importante para a manutenção da vida. Segundo Coura, Junqueira e Giordano (1994), lá podem ser encontradas pelo menos dezoito espécies de triatomíneos associadas a numerosos reservatórios silvestres. Isso significa afirmar que não é a maioria dos triatomíneos que vêm sofrendo infecção pelo Trypanosoma cruzi (ou semelhante) – e ainda há um número relativamente baixo de casos humanos descritos com doença de Chagas. Embora os triatomíneos, também conhecidos por ”barbeiros”, estejam associados à transmissão vetorial da doença de Chagas, é preciso tomar cuidado na interpretação das situações da realidade cotidiana porque há outros fatores, especialmente sócio-econômicos, que são determinantes da introdução e manutenção deste tipo de endemia.

 

 

  1. A Doença de Chagas no Estado do Ceará

O Estado do Ceará ocupa uma área de 146.817 km², mas sua população está distribuída de forma desigual, rarefeita nos sertões e adensada nas serras. As casas dos habitantes do município são típicas de regiões pobres, sendo o piso e as paredes de barro batido ou taipa nas áreas de menor nível sócio-econômico. Os estudos epidemiológicos sobre a doença de Chagas na região são unânimes em afirmar que é o tipo de habitação que vem causando a maior infecção, servindo aos triatomíneos silvestres como ecótopos artificiais. A fixação das famílias em áreas de desmatamento parece ser um fator importante que condiciona a maior prevalência da doença.

 

 

 

  1. O caso de Poço das Antas, Estado do Rio de Janeiro

A Reserva Biológica de Poço das Antas está situada no município de Silva Jardim, no Estado do Rio de Janeiro. Nesta região vem sendo desenvolvido um dos mais reconhecidos programas de conservação de espécie em extinção: o micos-leão-dourado (Leontopithecus rosalia). O programa de conservação inclui a re-introdução e a translocação, onde grupos isolados de micos-leão-dourados, encontrados em pequenos fragmentos remanescentes de Mata Atlântica, são transferidos para uma outra reserva. Este programa, porém, pode estar expondo os micos-leão-dourados à infecção por uma subpopulação de Trypanosoma cruzi, que parece estar também correlacionada com a infecção humana no local.

Torna-se, assim, fundamental introduzir programas de educação ambiental em unidades de conservação para orientar os profissionais em serviço bem como os visitantes, a fim de evitar a maior dispersão de vetores na natureza e constituir programas integrados de saúde e meio ambiente em áreas de conservação.

 

 

 

  1. A Doença de Chagas no Estado de São Paulo

As doenças evoluem junto com as sociedades em que se inserem, resultam da maneira como é ocupado e explorado o espaço natural.

Segundo Silva (1999), foi com a introdução das plantações de café em larga escala em São Paulo, inicialmente no Vale do Paraíba, que se constituiu uma zona endêmica da doença de Chagas. Esta situação parece estar relacionada ao desmatamento e à ocupação desordenada em habitações precárias.

A presença do Triatoma infestans, colonizando tais tipos de habitações, tem sido utilizada como indicador da ocorrência da transmissão da doença de Chagas. O triatomíneo, pela quantidade e extensão de sua distribuição, tem sido considerado o mais importante vetor em São Paulo. Pode-se dizer que sua dispersão se confunde com a distribuição da própria endemia.

Mas vale lembrar que os triatomíneos não podem ser culpados pelo adoecimento das populações!  Eles também fazem parte da biodiversidade de nosso país. Na verdade, seria mais indicado atribuir as endemias ao triângulo “desmatamento – habitações não saudáveis – falta de investimento em educação”. São estas as condições que vêm concorrendo para a expansão da doença de Chagas em São Paulo, fenômeno que vem se repetindo em âmbito nacional.