Situação atual
Vacina para doença de Chagas: realidade ou utopia?
Isabela Resende Pereira
Laboratório de Hematologia – Faculdade de Medicina – UFF
Email: resendeisabela@gmail.com
Joseli Lannes
Laboratório de Biologia das Interações/IOC
Email: lannes@ioc.fiocruz.br, joselilannes@gmail.com
Desde o século XVIII, quando Edward Jenner desenvolveu vacina para varíola, o uso de vacinas resultou em redução da morbidade e mortalidade por infecções em toda população mundial. As vacinas são recursos indispensáveis para a saúde individual e pública. Caracteristicamente, uma vacina é composta por um componente do microrganismo patogênico, podendo apresentar-se em sua forma viva atenuada, inativada, frações proteicas ou sacarídicas, de ácido desoxirribonucleico (DNA) ou carreada por vetores geneticamente modificados. Espera-se que as vacinas impeçam ou atuem o estabelecimento de doença, estimulando o organismo vacinado no reconhecimento antigênico e induzindo resposta imune com produção de anticorpos e resposta celular, gerando memória imunológica. Assim, uma vacina para ser efetiva deve gerar resposta imune protetora contra mais de uma forma infectante do patógeno (formas evolutivas, cepas, linhagens, variantes genéticas) e gerar resposta imune de memória, facilitando o reconhecimento do patógeno de forma específica e mais rápida em contatos futuros.
No contexto da doença de Chagas (DC), há muito se tem estudado sobre preparações vacinais que possam prevenir a doença. A primeira estratégia foi usada por Emile Brumpt (1913), que mostrou que a infecção de animais pelo Trypanosoma cruzi, protozoário parasito causador da DC, seguida de re-infecção por este parasito levava à proteção parcial. Já nos anos 1950, utilizou-se as estratégias de gerar parasitos avirulentos através do tratamento prévio com agentes atenuantes químicos, radiação, ou passagens seriadas em cultivo in vitro, objetivando preservar (i) a imunogenicidade da preparação, ou seja, sua capacidade de induzir resposta imune, assim como a eficácia, (ii) a capacidade de induzir proteção, além de ser (iii) segura, ou seja, não induzir doença (Bhatia et al., 2004). Nos anos 1960, Menezes propôs o uso de formas do T. cruzi liofilizadas e com adjuvante como preparação vacinal. Porém, a proteção oferecida pelas vacinas com parasitos atenuados ou mortos, assim como associados a adjuvante, foi semelhante à oferecida pela imunização com formas vivas do T. cruzi, quando se observa maior sobrevida e menor parasitemia nos camundongos vacinados (Basombrio et al., 1982; Basombrio et al., 1987; Paiva et al., 1999b). Neste sentido, nos anos 1990 utilizamos a linhagem CL-14 (clone não patogênico originário da cepa CL) do T. cruzi para compreensão do papel protetor de componentes da resposta imune do hospedeiro vertebrado. Mostramos que a infecção de camundongos com o clone CL-14 além de não induzir patologia, também preveniu a esplenomegalia e a ativação policlonal de células T, características da infecção pelo T. cruzi associadas à patologia (Paiva et al., 1999a). Por outro lado, a exposição de animais ao clone CL-14 do T. cruzi induziu resposta imune protetora após desafio com formas infectantes, com redução da parasitemia e aumento de sobrevida dos animais de forma dependente da ativação de células T CD8+. Também, a vacinação com CL-14 levou à redução da hiperativação de células T CD4+ e CD8+ após o desafio. De foram conjunta, os dados sugeriram que resposta imune dependente de células T CD8+, menos inflamatória e mais regulada está associada à proteção contra doença na infecção pelo T. cruzi (Paiva et al., 1999b).
Com a evolução dos métodos e técnicas que permitiram estudos bioquímicos e moleculares mais refinados, tornou-se possível selecionar proteínas de frações do parasito, bem como epítopos imunogênicos contidos em uma determinada proteína e testar a capacidade destas em gerar resposta imune e proteção ao desafio com T. cruzi. Alguns candidatos moleculares se destacaram na indução de resposta imune protetora, como as proteínas cruzipaína, presente em formas amastigotas e tripomastigotas, as proteínas de superfície de formas tripomastigotas da família trans-sialidase (TS), proteína rod paraflagelar, entre outros (Cazorla et al., 2009). Nos últimos 20 anos, inúmeros grupos vêm testando em diferentes protocolos e modelos experimentais o uso de proteínas recombinantes, vacinas de DNA ou vacinas tendo como vetores vírus recombinantes, expressando epítopos ou genes da família TS com o objetivo de obter resposta imune protetora contra a infecção pelo T. cruzi (Garg e Tarleton, 2002; De Alencar et al., 2009; Boscardin et al., 2003; Vasconcelos et al., 2004; Machado et al., 2006). A proteína de superfície de amastigota (ASP)-2, importante para o estabelecimento da infecção crônica (Boscardin et al., 2003; Vasconcelos et al., 2004), e a TS, uma enzima das formas tripomastigotas que catalisa a transferência do ácido siálico de glicoproteínas do hospedeiro para moléculas receptoras na membrana do parasito (Schenkman et al 1994), pertencem à mesma família de genes e foram descritas como proteínas imunodominantes (Low et al., 1998; Myahira et al., 2005; Araujo et al., 2005). A administração profilática de preparações vacinais contendo ASP2 e TS suscitou resposta imune humoral e celular, além de reduzir a parasitemia e aumentar a sobrevivência dos camundongos vacinados e desafiados com a cepa Y – DTU II do T. cruzi (Machado et al., 2006; Haolla et al., 2009, de Alencar et al., 2009; Barbosa et al., 2013). A vacinação com DNA de plasmídeos contendo genes que codificam as proteínas cruzipaína (Schnapp et al., 2002) e o antígeno de superfície de tripomastigotas-1 (a TSA-1) (Wizel et al., 1998) resultou em indução de imunidade parcial, sem levar à imunidade capaz de impedir a infecção. Outra estratégia usada foi o protocolo heterólogo usando DNA plasmidial no prime (indução) e o adenovírus humano não replicativo tipo 5 recombinante (rAd5) carreando sequências de ASP2 no boost (reforço). Esta proposta vacinal estimulou resposta imune protetora, associada a aumento na frequência de células T CD8+ de memória específicas para T. cruzi (Rigato et al., 2011). De modo importante, a administração profilática de preparações vacinais contendo ASP2 e TS suscitou resposta imune humoral e celular, além de reduzir a parasitemia e aumentar a sobrevivência dos camundongos vacinados, com redução no percentual de animais com alterações elétricas em fase crônica de infecção (Machado et al., 2006; Haolla et al., 2009, de Alencar et al., 2009; Barbosa et al., 2013). Além da clássica proposta para uso imunoprofilático, propusemos o uso de vacina como uma estratégia terapêutica com o objetivo de estimular a imunidade protetora e prevenir a progressão da forma cardíaca da CD. Neste estudo, utilizamos a estratégia do protocolo homólogo prime-boost com o rAd5 carreando sequências codificadoras de ASP2 e TS do T. cruzi (rAdVax). Este protocolo preservou a imunidade específica mediada por interferon gama (IFNγ) e diminuiu a frequência de células T CD8+ potencialmente citotóxicas (expressando perforina). Além disso, a vacinação com rAdVax reverteu as alterações elétricas, reduziu as alterações histopatológicas, como a fibrose cardíaca, e aumentou a sobrevida dos animais infectados por diferentes cepas do T. cruzi (CL – DTU VI, Colombiana – DTU I). Mais do que isto, a vacina terapêutica administrada a animais cronicamente infectados pela cepa Colombiana do T. cruzi, que apresentavam alterações elétricas compatíveis com cardiomiopatia chagásica crônica (CCC) e perfil inflamatório sistêmico, resultou em reversão de alterações cardíacas e imunes (Figuras 1 e 2), sugerindo ser este um potencial candidato vacinal a ser usado no tratamento da forma cardíaca da CD (Pereira et al., 2015).
A resposta imune protetora na infecção pelo T. cruzi envolve principalmente os mecanismos imunológicos que resultam na produção de anticorpos específicos para antígenos do parasito e a resposta imune envolvendo células com atividade citotóxica, ou seja, capazes de matar células infectadas ou expressando antígenos do parasito, em especial os linfócitos T citotóxicos (Figura 1).
Figura 1: Principais achados após a utilização da vacina rAdVax como estratégia terapêutica em camundongos cronicamente infectados pelo T. cruzi (Pereira et al., 2015). Infográfico publicado em artigo de divulgação na página do Instituto Oswaldo Cruz, 2015.
Figura 2: Redução da fibrose cardíaca após a utilização da vacina rAdVax como estratégia terapêutica em camundongos cronicamente infectados pelo T. cruzi (Pereira et al., 2015). Infográfico publicado em artigo de divulgação na página do Instituto Oswaldo Cruz, 2015.
Visando desenvolver uma vacina recombinante contra doença de Chagas que estimulassem estes mecanismos protetores, pesquisadores da Fiocruz e do Centro Interdisciplinar de Terapia Gênica da Universidade Federal de São Paulo se juntaram para construir adenovírus recombinantes contendo antígenos do T. cruzi. Os antígenos escolhidos foram a trans-sialidase (TS, Figura 2) e a Proteína 2 da Superfície de Amastigotas (ASP-2, Figura 3).
Figura 3: Breve histórico do número de publicações de artigos com o tema “Vacina – doença de Chagas”. Notar o registro de marcos históricos: 1- azul: proposta da teoria da autoimunidade para explicar a patogenia da DC, retirando o foco do estudo em medicamentos tripanossomicidas e vacinas, consideradas potenciais agravadores de doença (Kierszenbaum, 2005); e 2- verde: período de detecção molecular da persistência do parasito T. cruzi em tecido cardíaco de portadores crônicos da DC, indicando que o parasito deveria ser alvo de controle por meio de medicamentos tripanossomicidas e vacinas visando à redução da frequência e gravidade das formas clínicas da doença de Chagas (Jones et al., 1993 Reis et al. 1993, Higuchi et al 1997). Fonte dos dados numéricos: PubMed 17/07/2018. Gráfico: Lannes-Vieira.
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Histórico
Histórico: requisitos críticos para uma vacina contra a doença de Chagas
Erney Plessmann Camargo
Presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e membro do Conselho Superior da CAPES, Brasília, DF, Brasil
E-mail: erney@usp.br
Apenas 4 anos depois das descobertas de Carlos Chagas, Emile Brumpt publicava os primeiros ensaios sobre a indução de uma “Immunité partielle dans les infections à Trypanosoma cruzi”. Esse trabalho de Brumpt continha um enunciado que marcaria noventa e tantos anos de história da busca por uma vacina contra a doença de Chagas: a proteção induzida contra infecções experimentais pelo T. cruzi seria sempre parcial, jamais acompanhada de imunidade estéril.
Vamos percorrer a história dessa “immunité partielle” lembrando quatro requisitos básicos para uma vacina profilática ou preventiva anti-Chagas:
- Uma vacina profilática deveria conferir proteção total, isto é, imunidade estéril a primo infecções. Como Zigman Brener e eu já alertáramos: “A vaccine which merely attenuates the acute phase of the infection – a procedure possibly acceptable for other infectious disease – would be of questionable value in Chagas disease.” Isso porque, na patogenia da doença, o comprometimento dos órgãos-alvo é sequela crônica da longa evolução da doença, não um evento exclusivo da fase aguda. Alguns poucos tripanossomos sobreviventes da fase aguda poderiam levar às lesões da fase crônica. Daí o requisito de imunidade estéril para uma vacina profilática contra Chagas. Isto sem mencionar o fato de que imunidades não estéreis não eliminam a fonte de infecção. Não obstante esse princípio básico, a maioria das tentativas vacinais levou em consideração apenas as taxas de mortalidade na fase aguda, sem se preocupar com parasitemias residuais e doença crônica de animais vacinados.
- 2. Uma vacina deveria conferir proteção contra todas as linhagens de cruzi capazes de infectar o homem. Desde Brumpt eram conhecidas linhagens de T. cruzi de maior ou menor virulência. Hoje conhecemos mais sobre as linhagens T. cruzi que circulam em natureza e sabemos que elas podem ser grupadas em zimodemas ou genótipos que exibem virulência e antígenos distintos. Vacinas em potencial deverão ser testadas, pelo menos, contra os genótipos conhecidos e epidemiologicamente importantes de T. cruzi e deverão se mostrar eficazes contra todos.
- Uma vacina não poderia induzir doença autoimune, postulado esse que derivava de evidências e crenças de que a doença de Chagas teria grande componente autoimune e de que frações e antígenos de T. cruzi seriam capazes de induzir manifestações patológicas de doença crônica na ausência de infecções. Embora a importância dessa autoimunidade seja questionável (ver revisão de Kierszenbaum, por simples precaução essa possibilidade deveria ser examinada.
- 4. Finalmente, como a vacina se destinava ao homem, ela deveria ser desenvolvida e testada em modelos experimentais que mimetizassem a patogenia e a resposta imune do homem. Infelizmente o modelo universalmente adotado foi o murino, que vem se revelando um modelo Apenas como exemplo, camundongos não reconhecem como antigênicos, epítopos alfa-galactopiranosil da superfície dos tripanossomos. Esses epítopos são responsáveis pela indução de anticorpos líticos nas infecções humanas. Dessa forma, uma vacina efetiva contra a infecção pelo T. cruzi em camundongos pode não significar uma vacina contra a doença de Chagas. Apesar disso poucos modelos experimentais alternativos foram testados. Foram feitas incursões eventuais, embora promissoras, nos modelos coelho e sobretudo cão, que não tiveram seguimento. O macaco foi igualmente pouco explorado e, atenção, Muniz, em 1947 mostrou que macacos Rhesus vacinados com formas mortas de tipanosomas desenvolviam miocardite “hiperérgica”, o que por si só mostra que modelos distintos podem conduzir a observações absolutamente dissonantes. Surpreendentemente o cão, modelo simples e acessível, que além do macaco (primatas), é o único que se encontra infectado pelo T. cruzi na natureza e que exibe uma patologia em muitos aspectos similar à do homem, foi pouco testado.
Dadas essas premissas, a história da busca por uma vacina contra a doença de Chagas seria um ir e vir desencontrado pelo labirinto da fatídica “immunité partielle” de Brumpt.
O que primeiro se tentou em Chagas, seguindo uma prática comum às tentativas vacinais em outras moléstias, foi induzir proteção com imunizações prévias seja de doses sub-letais de T. cruzi seja de cepas de cruzi de alegável virulência atenuada. Essas tentativas começaram com o trabalho seminal de Brumpt e se estenderam até fins dos anos 1970. Nesses 60 e tantos anos sucederam-se imunizações com várias cepas do T. cruzi, além de outras espécies de tripanossomos e, mais tardiamente, com tripanosomatídeos parasitos de insetos. Todas sem sucesso e todas limitando-se à mensuração da mortalidade na fase pós-desafio com cepa virulenta do T. cruzi.
Várias tentativas de vacinação foram também feitas com formas culturais vivas de T. cruzi, inativadas por radiação ou por agentes químicos bloqueadores da multiplicação, ou formas culturais mortas por fixadores e anti-sépticos os mais variados. Os resultados obtidos foram sempre desencorajadores quando, após vários esquemas de vacinação, os animais foram desafiados com doses infectantes de T. cruzi. A redução da mortalidade nunca se fez acompanhar de imunidade estéril, sendo sempre positivas as parasitemias pós-desafio.
Numerosos foram os ensaios vacinais com sub-frações celulares, os mais notórios deles com frações flagelares. Embora, em alguns casos, as taxas de mortalidade fossem nulas após o desafio com formas infectantes, as parasitemias, quando propriamente investigadas, nunca o foram.
Um passo adiante foi dado, quando antígenos purificados passaram a substituir frações celulares nas tentativas vacinais. Não porque os resultados tenham sido melhores que os precedentes na direção de uma imunidade estéril. Mas porque a investigação racional por antígenos, particularmente os de superfície, substituiu a procura empírica pela procura racionalista por uma vacina. Ao mesmo tempo se caminhava para entender melhor a organização molecular da superfície do T. cruzi e de seus antígenos, em especial a trans-sialidase (TS), uma enzima única do T. cruzi. A associação da definição do antígeno com estudos imunológicos, permitiram significativos avanços no entendimento da resposta imune ao T. cruzi, sobretudo no esclarecimento do papel das células CD8+ na montagem de uma defesa órgão-protetora na infecção chagásica.
Apesar desses avanços em nosso conhecimento da patogenia chagásica, as vacinas experimentais disponíveis e em prospecção não conseguiam superar o estigma da “immunité partielle”.
Nos últimos anos abriram-se novas perspectivas com vacinas de DNA, com os trabalhos desenvolvidos pelo grupo de Rodrigues e colaboradores mostram que simplesmente consistem na inserção de genes do T. cruzi em plasmídeos e na injeção destes nos animais a serem vacinados. Os genes preliminarmente escolhidos foram genes de superfície e entre eles a transialidase. Os primeiros resultados não escaparam do estigma da “immunité partielle”. Recentemente, a escolha de um plasmídeo estimulante da imunidade tipo T1 (com produção de citocinas pró-inflamatórias, como o interferon-gama) transportando uma associação de dois genes de superfície, entre eles a transialidase, propiciou taxas nulas de mortalidade após o desafio entre os camundongos vacinados pelos seis meses de observação, embora parasitemias persistissem na maioria dos animais.
De qualquer forma, as perspectivas são otimistas, graças às propriedades das vacinas DNA de permanentemente produzirem antígenos vacinantes, às vezes por toda a vida (pelo menos) dos camundongos. Dessa forma, mesmo que a infecção não seja totalmente debelada (imunidade estéril), as defesas constantemente elicitadas podem manter a infecção sob controle, reduzindo o dano crônico de tecidos e órgãos. Esse fato, que ainda precisa ser melhor investigado, abre possibilidades para a utilização das vacinas DNA também como vacinas curativas.
Uma outra perspectiva interessante diz respeito à proteção de mucosas, particularmente porque infecções por via oral vem se tornando mais frequentes (ou mais frequentemente registradas), notoriamente na Amazônia. Nesse sentido, alguns trabalhos desenvolvidos por Hoft e colaboradores já apontam para a indução de imunidade mucosa contra antígenos de T. cruzi.
Todavia, sem ser pessimista, há sempre que lembrar que o modelo murino serve ao camundongo e pode não ser adequado para o homem. Como há que lembrar, também, que linhagens diferentes de T. cruzi expressam epítopos diferentes de transialidases e possivelmente de outros antígenos.
Finalmente, há que registrar um derradeiro problema sequer equacionado em termos de logística vacinal. Como verificar epidemiologicamente a eficácia de uma vacina contra a doença de Chagas? Que população utilizar na fase de teste da vacina? Considerando que a doença de Chagas é de expressão crônico-tardia, por quantos anos se deverá observar a população teste para a liberação da vacina? A que população se destinaria uma vacina contra doença de Chagas no Brasil?
Felizmente esses são apenas problemas, não obstáculos incontornáveis e a ciência sempre acaba encontrando soluções para seus problemas. Porém, enquanto isso não ocorre, nem pensar em descuidar dos serviços de controle dos vetores e dos bancos de sangue.
Vacina Profilática
Vacina preventiva para doença de chagas
Rosa Maldonado
University of Texas
E-mail: ramaldonado@utep.edu
Em construção.