Patologia experimental da doença de Chagas
Sonia Gumes Andrade
Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz/Fiocruz
E-mail: sgandrade@cpqgm.fiocruz.br
Os estudos experimentais sobre a infecção pelo Trypanosoma cruzi têm aberto novos horizontes para o estudo da doença de Chagas, causada por este protozoário no ser humano. A doença de Chagas foi descoberta por Carlos Chagas em 1909 ao descrever o primeiro caso humano em uma criança de dois anos, Berenice, conhecida por todos aqueles que estudam esta doença. A primeira infecção experimental com o T. cruzi foi feita por Oswaldo Cruz, de acordo com descrição do próprio Chagas em Nota prévia publicada no Brasil Médico, em 1909: “A infecção que serviu de início a nossos estudos, fora obtida experimentalmente pelo Dr. Oswaldo Cruz, fazendo picar por alguns conorrhinus levados de Minas, um sagui (hapalle penicilata)”. Em continuação a estes estudos Chagas fez inoculação experimental de várias espécies animais, como cães, cobaios e macacos (Callitrix penicillata) com o Trypanosoma cruzi, como um meio de estudar a evolução da infecção em diferentes vertebrados. Além dos referidos, têm sido utilizados por diversos pesquisadores, outros vertebrados, como coelhos, ratos, camundongos, a fim de investigar diferentes aspéctos da infecção pelo T. cruzi, com resultados variáveis e caracteristicas peculiares.
Camundongos
Modelos de doença de Chagas experimental em camundongos
Sonia Gumes Andrade
Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz/Fiocruz
E-mail: sgandrade@cpqgm.fiocruz.br
A fase aguda
Pelo seu pequeno porte, facilidade de obtenção e de manutenção, o camundongo tem sido o animal preferido em um grande número de experimentos. A inoculação é feita em geral por via intra-peritoneal, podendo-se entretanto utilizar outras vias como a intra-conjuntival e a via oral, a depender do modelo que se pretende reproduzir. Na inoculação podem-se usar formas parasitárias tripomastigotas coletadas diretamente do sangue, das fezes do inseto vetor (triatomíneo) ou formas metacíclicas provenientes de meios de cultivo líquido ou em cultivos de células. Os parasitos são fagocitados pelos macrófagos onde se multiplicam e após serem liberados na circulação sanguínea penetram em diversas células do organismo do vertebrado. A infecção pelo T. cruzi induz uma resposta inata do organismo e estimula os linfócitos T-NK a produzirem IFNg, estimulando a produção pelos macrofagos de citocinas pro-inflamatórias e estimulando os mecanismos microbicidas dos mesmos, como mostrado por Cardillo e colaboradores. Este processo é acompanhado de lesões necróticas não só de macrófagos parasitados como também de miocélulas cardíacas e de músculo esquelético e correspondente processo inflamatório relacionado com a destruição tissular e a liberação de TNF. Na fase aguda da infecção, a multiplicação ativa ocorre predominantemente em macrófagos ou em músculos cardíaco, esquelético ou músculo liso de vários órgãos principalmente do tubo digestivo, podendo parasitar também fibroblastos, células neuronais e endoteliais. A presença do parasito é, portanto, o principal fator patogênico nesta fase da infecção.
Relação entre as cepas do parasito e os quadros histopatológicos na fase aguda da infecção
As cepas do T. cruzi isoladas em diferentes áreas geográficas, de diferentes hospedeiros vertebrados e de reservatórios silvestres, podem representar populações diferentes quanto ao seu comportamento biológico no animal experimental, como inicialmente descrito por Andrade e colaboradores, quanto ao seu perfil isoenzimático, estudado por Miles e colaboradores, e quanto aos seus caracteres moleculares, pela caracterização do DNA do cinetoplasto (kDNA), como mostrado por Morel e colaboradores, ou do RNA ribossomal, inicialmente descrito por Souto e colaboradores. Estas diferenças têm propiciado diversas classificações das cepas as quais foram sistematizadas e consolidadas em dois taxa: T. cruzi I e T. cruzi II, como Consenso do Satelitte Meeting do International Symposium to commemorate the 90th Anniversary of Discovery of Chagas Disease, realizado em 1999. A classificação das cepas de acordo com o seu comportamento biológico no camundongo, em diferentes tipos (I, II, III) ou biodemas, como proposto por Andrade e Magalhães, permitiu correlacionar as cepas com os quadros patológicos produzidos pelo T. cruzi dependentes da virulência, da patogenicidade e do tropismo tecidual. Os diferentes biodemas foram correlacionados com os taxa propostos, sendo o tipo II correspondente ao T. cruzi II e o tipo III ao T. cruzi I. O tipo I ficou enquadrado como Z2b, incluindo cepas híbridas. Na infecção com o biodema tipo I, há acentuado macrofagotropismo. Isto se acompanha, de intenso processo necrótico-inflamatório dos órgãos parasitados, principalmente no baço onde ocorre necrose de macrófagos parasitados e produção in situ de TNF, descrito por Lima e colaboradores. Na infecção com as cepas do biodema tipo II, cuja parasitemia tem um curso mais lento entre o 12o e o 20o dias, há intenso parasitismo do miocárdio, na fase aguda, com desintegração dos miócitos parasitados e necrose dos não parasitados, com intenso processo de miocardite. As cepas do biodema tipo III determinam intensas lesões miocardicas e de músculo esquelético, com acentuada proliferação intracitoplasmática de parasitos.
Interação de diferentes linhagens isogênicas de camundongos com os três tipos de biodemas
O binômio parasito/hospedeiro é importante na determinação da patologia no animal experimental. O camundongo como modelo pode variar quanto à sua suscetibilidade à infecção com diferentes cepas, de acordo com a sua linhagem. O estudo de seis diferentes linhagens: AKR, A/J, CBA, BALB/c, C3H e B-10, mostrou que o comportamento biológico dos três biodemas foi mantido nos animais de diferentes linhagens, variando entretanto, em relação à suscepitibilidade, com um espectro de resistência de cada linhagem à infecção pelas diferentes cepas, como mostrado por Andrade e colaboradores. A cepa de tipo I (Peruana) determinou parasitismo precoce em macrófagos nas seis linhagens; o parasitismo de miocárdio e de músculo esquelético variou de intenso a moderado, sendo mais acentuado nas linhagens AKR e A/J (suscetíveis) e menor nas linhagens DBA e BALB/c; com esta cepa, o parasitismo dos tecidos foi sempre mais intenso do que o processo inflamatório; na infecção com a cepa 21SF (tipo II), o parasitismo de miocárdio foi mais acentuado na infecção da linhagem A/J, porém em todas há lesões necroticas de fibras musculares parasitadas ou não, sendo que nas mais suscetíveis (C3H, AKR e A/J) estas lesões não se acompanham de exsudato inflamatório ou apresentam apenas focos de infiltração mononuclear, enquanto que nas lesões das linhagens mais resistentes em relação a esta cepa, (DBA, BALB/c e B-10) observa-se infiltrado mononuclear com polimorfonucleares de permeio. Na infecção com a cepa Colombiana (tipo III) observa-se nas diferentes linhagens intenso parasitismo de miocárdio e músculo esquelético de 20 a 30 dias pós-infecção, com acentuado processo inflamatório relacionado com fibras parasitadas em desintegração. Na linhagem mais suscetível (A/J), apesar do intenso parasitismo o infiltrado inflamatório é moderado. Na linhagem B/10, mais resistente, com moderado parasitismo, há intenso processo inflamatório.
Estrutura clonal e lesões histopatológicas
as cepas representam complexos clonais. A composição clonal de uma cepa pode influenciar na sua patogenicidade e nos quadros histopatológicos. Estudos têm sido feitos para caracterizar os clones de cepas padrão dos diferentes Biodemas. A estrutura clonal de uma cepa pode ser homogênea embora os clones possam apresentar diferentes graus de virulência, com predominância de um “clone principal” responsável pelo seu comportamento no animal experimental. As cepas podem apresentar constituição clonal heterogêna e o comportamento no animal experimental, depende das características e dos clones predominantes.
Aspectos histopatológicos na fase crônica da infecção pelo T. cruzi
A fase crônica da infecção pela cepa Colombiana (biodema tipo III, T. cruzi I) foi estudada por Federici e colaboradores e Kumar e colaboradores, que descreveram uma cardiopatia crônica evolutiva em camundongos C3H. Posteriormente, o modelo murino da cardiopatia crônica chagásica, foi descrito em camundongos de diferentes linhagens, infectados por períodos prolongados (180 a 660 dias), com cepas de diferentes biodemas. Este modelo reproduz o quadro de miocardite crônica com lesões fibrotico-inflamatórias, cardiomegalia, dilatação e trombose das cavidades cardíacas, e aneurisma da ponta do ventrículo esquerdo. O estudo histopatológico do miocardio mostrou infiltrados inflamatórios difusos e focais, constituidos por macrófagos, linfócitos e plasmócitos, cuja intensidade era variável de caso para caso, sendo em geral mais acentuados nos átrios. Houve nítida predominância na incidência e intensidade das alterações fibróticas e inflamatórias nos camundongos infectados com cepas do tipo III, correspondentes ao taxa T. cruzi I (entre elas as cepas Colombiana, Bolivia e Montalvânia).
Além dos aspectos gerais da patologia experimental, o modelo murino tem contribuido para o esclarecimento de diversos problemas relacionados com a doença de Chagas, como por exemplo: (i) estudo da resistência de cepas do T. cruzi de diferentes Biodemas, aos quimioterápicos; (ii) reversibilidade da fibrose cardíaca, pós-tratamento específico; (iii) envolvimento do sistema nervoso autônomo na infecção pelo T. cruzi; (iv) importância de antígenos parasitários sequestrados nas células dendriticas foliculares do baço, (v) na manutenção da memória imunológica e na positividade das reações sorológicas, após tratamento, assim como em (vi) estudos de novas vacinas e (vii) da gênese das lesões inflamatórias e cardiomiopatia crônica, entre muitos outros estudos (Figura 1).
Figura 1 – Modelo murino de doença de Chagas. (A) Macrófagos parasitados. (B) Músculo com amastigotas do T cruzi. (C) Miocardite aguda com parasitos. (D) Miocardite crônica sem parasitos.
Cães
Modelos de doença de Chagas experimental em cães
Sonia Gumes Andrade
Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz/Fiocruz
E-mail: sgandrade@cpqgm.fiocruz.br
O cão, pela sua suscetibilidade à infecção pelo T. cruzi, pelas características eletrocardiográficas comparaveis às do homem, bem como pela definição e caracteres anatômicos do sistema excíto-condutor do coração, se constitui em um importante modelo da doença de Chagas. Os conhecimentos sobre o modelo canino da doença de Chagas evoluíram progressivamente. Laranja e Pellegrino descreveram a fase crônica da infecção em cães inoculados com sangue de portadores da doença de Chagas ou com fezes de triatomíneos, mostrando um quadro clínico-patológico e alterações eletrocardiográficas superponíveis às vistas no homem, tanto na fase aguda como na crônica. Outros estudos em cães foram desenvolvidos por vários pesquisadores, com descrição eletrocardiográfica e anátomo-patológica.
Os estudos de Dr. Zilton Andrade e colaboradores procuraram correlacionar os achados anátomopatologicos com as alterações eletrocardiográficos e com as lesões anatômicas do sistema excito-condutor do coração. Foram inoculados cães jovens com a cepa 12 SF isolada de caso agudo humano fatal os quais desenvolveram quadro agudo grave, com alto índice de letalidade até 21 dias de infecção e apresentaram quadro eletrocardiográfico e anátomo-patológico idêntico ao apresentado pelo paciente, indicando que, no modelo canino, pelo menos na fase aguda, os resultados obtidos experimentalmente podem reproduzir a doença de Chagas. O estudo detalhado do sistema de condução do coração utilizando cortes seriados montados em fitas plásticas tem permitido identificar os segmentos deste sistema e demonstrar a topografia das lesões histopatológicas presentes bem como correlacioná-las com as alterações eletrocardiográficas encontradas. Neste particular, o cão tem se mostrado o modelo ideal. O tecido excito-condutor do coração neste animal é bem definido anatomicamente e tem uma distribuição topográfica comparavel à observada no coração humano (Figura 2).
Figura 2 – Modelo canino de doença de Chagas. (A) Miocardite aguda com parasitos. (B) Miocardite crônica sem parasitos. (C) Forma indeterminada: foco de inflamação. (D) Sistema de condução: feixe His * Ramo direito.
Alterações histopatológicas na fase aguda da infecção no cão
Na fase aguda, os cães desenvolvem intensa miocardite com parasitismo acentuado de miócitos e lesões necróticas de células cardíacas não parasitadas além de intenso processo inflamatório. A miocardite se inicia nos átrios e se propaga aos ventrículos, predominando no átrio direito e metade direita do septo interventricular e na parede livre do ventrículo direito. O nódulo sino-atrial (SA) é mal identificado, devido ao intenso processo inflamatório. No nódulo atrio-ventricular (nódulo AV), as lesões mais intensas estão na parte mais alta, com densa infiltração celular, perda de fibras específicas e presença de amastigotas. O feixe de His e seus ramos, em geral apresentam inflamação intensa, podendo ocorrer áreas de necrose, como descrito por Andrade em 1974. O quadro eletrocardiográfico na fase aguda, está correlacionado com as lesões inflamatórias e necróticas do sistema de condução, correspondendo a alterações do tipo isquêmico, bloqueios intraventriculares e hemi-bloqueios de ramo esquerdo. O estudo ultraestrutural do miocárdio mostrou parasitos intracelulares íntegros ou em necrose e/ou apoptose e permitiu obter importantes informações sobre a participação de um mecanismo imune envolvido na fase aguda da infecção. Foi demonstrada a presença de grandes linfócitos granulares e pequenos linfócitos agranulares, aderentes às células cardíacas. Lesões focais da membrana basal, miocitólise e separação das junções intercelulares estavam presentes em relação com a aderência de linfócitos granulares, observando-se necrose e sequestração de porções dos miócitos, englobados por macrófagos. Estas alterações sugerem um mecanismo citotóxico e citolítico, mediado por células imunes efetoras, na fase aguda da infecção pelo T. cruzi. A presença de grandes linfócitos aderentes ao endotélio dos capilares, caracterizou também uma microangiopatia.
Alterações histopatológicas na fase crônica indeterminada do cão
A forma indeterminada da doença de Chagas no cão, como no homem, cursa sem sintomatologia e sem alterações eletrocardiográficas. Em estudo detalhado de cães, na fase indeterminada da doença, os quais haviam sido inoculados com diferentes cepas do T. cruzi, foram observadas alterações macroscópicas mínimas, com discreta dilatação das câmaras direitas em alguns casos; ao exame microscópico foram observados em 50% dos casos, focos de infiltração mononuclear e fibrose, principalmente em átrio e ventrículo direitos, enquanto o miocárdio do ventrículo esquerdo é essencialmente normal O estudo histopatológico do coração, nestes animais, mostrou apenas lesões inflamatórias focais discretas, constituídas por macrófagos e linfócitos. Em estudo ao microscópio eletrônico Andrade e colaboradores, em 1997, constataram que, diferentemente do que foi observado na fase aguda, as células linfocíticas não mostram tendência a aderirem ao miócito, não determinam alterações citotóxicas sobre os mesmos e mostram tendência ao desaparecimento por apoptose, com condensação citoplasmática e alterações características da cromatina nuclear. Estes achados falam a favor de um equilíbrio parasito/hospedeiro nesta fase e uma autorregulação da inflamação pelo processo de apoptose das células efetoras da resposta imunológica. A resposta do cão na forma indeterminada, ao tratamento com baixas doses do imunossupressor Ciclofosfamida, resultou na instalação de uma miocardite crônica ativa.
A cardiopatia crônica no modelo experimental canino
Diversos autores têm se referido a estudos realizados em cães que chegaram à fase crônica da infecção e apresentaram insuficiência cardíaca congestiva, cardiomegalia, afinamento do miocárdio, fibrose e distúrbios da condução, entretanto as descrições anátomo-patológicas são sumárias e não permitem boa correlação com casos humanos.
São escassos os casos em que o cão evolui para uma forma crônica cardíaca bem diagnosticada, como foi descrito por Laranja e Andrade em cão com infecção experimental de 16 meses de duração pelo T. cruzi o qual desenvolveu um quadro de insuficiência cardíaca congestiva, com todas características da cardiopatia chagásica humana, apresentando alterações eletrocardiográficas evolutivas e uma miocardite crônica difusa, evolutiva e fibrosante. Os infiltrados inflamatórios eram predominantemente linfocitários, com plasmócitos e macrófagos de permeio. Havia espessamento difuso do tecido intersticial, principalmente em paredes atriais e em ventrículo direito, acompanhado de infiltrado mononuclear difuso.
Os aspectos apresentados mostram que o cão tem como principal vantagem, reproduzir as diversas fases da doença de Chagas, permitindo monitoramento eletrocardiográfico e correlação com lesões do sistema excito-condutor do coração. Além disto, o cão tem sido muito utilizado pelos fisiologistas, para o estudo eletrofisiológico do coração, o que permite uma sólida base para a interpretação dos achados na doença de Chagas.
Como desvantagem, o fato de necessitar de um longo período de acompanhamento para que se possa surpreender a fase crônica cardíaca, permanecendo os cães na forma indeterminada, em alta percentagem dos casos, sendo raros os casos descritos na literatura de forma crônica cardíaca bem desenvolvida.
Primatas
Modelos de doença de Chagas experimental em primatas não humanos
Cristiano Marcelo Espinola Carvalho
Laboratório de Biologia das Interações, Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz e Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas/Fiocruz
E-mail: cristian@ioc.fiocruz.br
Maria da Glória Bonecini-Almeida
Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas/Fiocruz
E-mail: bonecini@ipec.fiocruz.br
Joseli Lannes-Vieira
Laboratório de Biologia das Interações, Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz
E-mail: lannes@ioc.fiocruz.br
Desde o início dos estudos realizados por Carlos Chagas, em 1909, vários animais (como camundongos, ratos, hamsters, coelhos, cães e primatas não humanos – macacos) têm sido utilizados como modelos experimentos com o propósito de reproduzir fases e formas da doença de Chagas, e assim, tornar possível a investigação de diferentes aspectos da infecção pelo Trypanosoma cruzi. O desenvolvimento da infecção pelo T. cruzi varia muito nestes animais, dependendo da cepa do parasito utilizada, a via de inoculação e o volume do inoculo. A escolha de um modelo experimental dependerá da questão a ser investigada e dos conhecimentos prévios adquiridos ao longo de quase um século de pesquisas voltadas para esta área.
Evidências acumuladas durante as últimas décadas têm indicado que primatas não humanos são modelos experimentais adequados para o estudo da doença de Chagas. Dentre os gêneros estudados estão àqueles pertencentes ao Velho Mundo (Macaca) e ao Novo Mundo (Callitrix, Saimiri e Cebus). Sua proximidade filogenética com o homem os torna modelos mais apropriados que outros, principalmente em estudos imunológicos e patológicos da tripanossomíase ou no desenvolvimento de técnicas imunodiagnósticas. Contudo, como veremos a seguir, há uma diversidade de relatos quanto ao gênero dos animais empregados, diferenças nas cepas do T. cruzi, bem como suas formas evolutivas e diversas vias de inoculação.
Recentemente, passou-se a se considerar os primatas não humanos como importantes grupos de animais que serviriam como reservatórios para o T. cruzi em determinadas áreas geográficas, por serem naturalmente infectados ou se infectarem em cativeiros.
O Callitrix penicillata foi a primeira espécie de primata não humano utilizada como modelo experimental para a doença de Chagas por Oswaldo Cruz e Carlos Chagas, em 1909. Estes animais desenvolveram satisfatoriamente a infecção aguda, entre 20 a 30 dias após o contato com triatomíneos infectados. O Callithrix também tem sido utilizado para testes de imunização, inferindo sobre a competência imunógena de alguns candidatos à vacina humana.
Pequenos primatas do gênero Saimiri são encontrados infectados na natureza tanto por leishmanias como pelo T. cruzi. Seu pequeno porte permite um fácil manejo e manutenção. Na tentativa de caracterizar a evolução da infecção chagásica nestes animais, Pung e colaboradores os infectaram pela via subcutânea utilizando formas tripomastigotas metacíclicos da cepa Brasil. O acompanhamento da fase aguda revelou a presença de parasitas circulantes, alterações prolongadas no eletrocardiograma (ECG), anticorpos específicos contra o T. cruzi, alterações hematológicas e resposta linfoproliferativa elevada contra antígenos do T. cruzi.
Entre os primatas mais utilizados até o momento como modelo para a doença de Chagas está o macaco-prego (Cebus apella), pela sua capacidade de reproduzir as fases aguda e crônica da doença com alterações no ECG, falência cardíaca, e alterações gastro-intestinais, além da facilidade de domesticação e manuseio. O macaco-prego é a espécie de primata que apresenta maior distribuição geográfica entre as espécies neotropicais, ocorrendo desde o norte da Colômbia (com possibilidade de ocorrência ao sul da América Central) até o sul da Argentina, sendo limitada ao oeste pela Cordilheira dos Andes e ao leste pelo oceano Atlântico. A resposta imune também já foi estudada neste modelo por Samudio e colaboradores, indicando que os animais com altas parasitemias possuem alta expressão de IL-4 no tecido cardíaco, ao passo que àqueles que conseguem controlar a parasitemia apresentam uma maior expressão de IFN. Além disso, os autores verificaram que a expressão de citocinas e moléculas de adesão celular (PDGF-a, TGF-b e ICAM-1) no tecido cardíaco dos animais infectados na fase crônica (dois com 19 meses, um com cinco e dois com 10 anos pós-infecção) podem estar correlacionadas à persistência do DNA do T. cruzi detectado por testes moleculares (reação de polimerase em cadeia – PCR).
O macaco rhesus (Macaca mulatta) pertence à ordem dos Primatas, subordem Haplorhini, semi-subordem Anthropoidea, infraordem Catarrhini, superfamília Cercopithecoidea e família Cercopithecinae, se distanciam do Homo sapiens em cerca de 35 milhões de anos, quando divergiram de seu antecedente comum (Aegyptopithecus) na era Oligocena, como revisto por Shoshami e colaboradores. Esta proximidade filogenética torna-se útil para o emprego de vários reagentes utilizados rotineiramente para o diagnóstico e pesquisa em humanos, o que também nos facilita extrapolar diversos resultados obtidos no modelo para o homem.
O macaco rhesus é um primata do Velho Mundo, classificado na escala filogenética, quanto sua homologia ao homem (seu genoma é 98% semelhante ao do ser humano) abaixo dos grandes primatas (gorila, orangotango e chimpanzé) e acima dos primatas do Novo Mundo, como os animais dos gêneros Callitrix, Saimiri e Cebus. Por ser um animal de médio porte (o que facilita seu manuseio) e por apresentar quadros clínicos que reproduzem as patologias humanas, tem sido considerado o modelo de escolha entre os primatas não humanos para o estudo de diversas patologias, como a leishmaniose, o HIV/AIDS, doença de Parkinson, tuberculose e esclerose múltipla entre outras, o que facilita a extrapolação dos resultados obtidos nestes animais para moléstias humanas.
A doença de Chagas no macaco rhesus foi inicialmente estudada por Wood, em 1934, utilizando a cepa Califórnia do T. cruzi, contudo sem observar sinais da doença. No entanto, em estudos posteriores, seja por infecções experimentais (entre outros, Bonecini-Almeida e colaboradores, Meirelles e colaboradores, Carvalho e colaboradores) ou em infecções naturais (entre outros, Fulton e Harrison, Seneca e Wolf), foi demonstrada a reprodutibilidade de vários aspectos da doença humana nesta espécie de primata. Estes autores utilizaram as mais diversas formas de inoculação e tipos de cepa do parasito, e puderam verificar tanto as alterações cardíacas quanto digestivas neste modelo. A fase aguda da infecção chagásica, em especial, tem se mostrado semelhante à doença humana, relatando-se desenvolvimento de lesão de porta de entrada (chagoma de inoculação), parasitemia direta positiva, alterações hematológicas, sorologia específica positiva e alterações eletrocardiográficas, como descrito por (Marsden e colaboradores, Seah e colaboradores, Miles e colaboradores, Bonecini-Almeida e colaboradores).
A doença desenvolvida por estes animais na fase aguda e crônica inicial (3 anos pós-infecção), mostrou grande semelhança à doença de Chagas, quer pela evolução da parasitemia e aspectos clínicos, quer pela caracterização laboratorial (alterações hematológicas, sorologia positiva e alterações cardíacas reversíveis), como descrito por Bonecini-Almeida e colaboradores. Os resultados obtidos em estudos anatomopatológicos, empregando microscopia ótica e eletrônica, realizados por Meirelles e colaboradores, comprovaram a semelhança entre o modelo avaliado e a doença humana.
O curso desta infecção crônica (15 a 19 anos) revelou quadros clínicos muito semelhantes ao observado na doença humana. Parasitemia subpatente, detectável apenas por hemocultivo, xenodiagnóstico ou PCR, acompanhado por altos títulos de anticorpos específicos para o T. cruzi e alterações ECG e ecocardiográficas foram vistas nos animais classificados como cardiopatas. Naqueles classificados como apresentando a forma indeterminada, as alterações ECG ou ecocardiográficas estavam ausentes, como demostrado por Carvalho e colaboradores.
Os mecanismos imunológicos que levam ao desenvolvimento da cardiopatia crônica na doença de Chagas erca de 20-30 anos após o primeiro contágio, são ainda discutíveis. Recentemente foram estudados aspectos imunológicos e sua correlação com o desenvolvimento da cardiopatia crônica no modelo de macacos rhesus estudados na fase aguda por Bonecini-Almeida e colaboradores. Assim, cerca de 20 anos pós-infecção, foi observado nestes animais o predomínio de células TCD3+CD8+ entre as células mononucleares do sangue periférico. De modo interessante, o infiltrado inflamatório cardíaco foi composto predominantemente por células TCD3+CD8+, seguidas por células TCD3+CD4+, e raros macrófagos, também reproduzindo aspectos da miocardite chagásica crônica descritos por Higuchi e colaboradores. Na periferia, estas células apresentavam perfil de ativação, como demonstrado pela expressão de moléculas de adesão células (LFA-1 e VLA-4), demonstrando potencial capacidade migratória destas células. Esta idéia foi reforçada pela demonstração de aumento da expressão dos receptores de quimiocina CCR2, CCR5 e CXCR4 nas células periféricas nestes macacos, muito semelhante ao descrito em pacientes por Talvani e colaboradores e Gomes e colaboradores. Da mesma forma foi observada expressão aumentada de VCAM-1 no tecido cardíaco dos macacos infectados (Carvalho, 2006). Além disso, observou-se neste tecido células morfologicamente semelhantes a macrófagos expressando a enzima óxido nítrico sintase induzida (iNOS). Funcionalmente, os animais infectados apresentavam maior frequência de linfócitos circulantes produtores de IL-4 e IFNγ, mas menor proporção de células IL-2+, que os animais não infectados. De modo importante, o animal com comprometimento cardíaco grave apresentou as maiores proporções de linfócitos IL-4+, IFNγ+ e TNF+ e de monócitos IL-10+ e IL-12+. Ainda, os animais infectados e com comprometimento cardíaco apresentavam fibrose mais intensa, além da maior perda da organização e diminuição da expressão de conexina 43, um marcador de conectividade dos miocárdios, assim como maior número de células iNOS+ no tecido cardíaco (Carvalho, 2006). De modo, no modelo rhesus infectados a carca de 20 anos com a cepa Colombiana do T. cruzi, as moléculas LFA-1, VLA-4, VCAM-1, CCR2, CCR5 e CXCR4 parecem estar envolvidas na imunopatogênese da miocardite chagásica crônica que apresenta predomínio de células T CD8+. As citocinas IL-1b, IL-6, TNF e IFNg, além de CCL2/MCP-1 e CCL3/MIP-1a parecem também ser importantes neste processo. A indução de iNOS e a produção de NO (revelada pelas elevadas concentrações séricas de nitrito/nitrato), fibrose aumentada e desarranjo na distribuição de conexina 43 no tecido cardíaco se correlacionam com a lesão cardíaca e as disfunções elétricas e eco-cardiográficas (Carvalho, 2006).
Pelo demonstrado, é possível afirmar que o modelo rhesus reproduz várias características da infecção humana aguda e crônica registradas até o momento, o que indica que este modelo pode ajudar a entender as estratégias utilizadas pelo parasito para evadir a resposta imune, ou mesmo ser utilizado para a avaliação e desenvolvimento de novas estratégias visando ao desenvolvimento de terapias ou vacinas, principalmente após os recentes avanços na compreensão da patogênese da doença de Chagas, como revisto por Higuchi e colaboradores e Kierszenbaum.
O emprego de um modelo experimental no qual possam ser testadas novas drogas com atividade tripanocida, não somente na eliminação de parasitos circulantes, mas que tenham efeito na eliminação de parasitos teciduais, impedindo a reativação da doença ou evitando os danos causados pelo parasito durante a fase crônica, poderá ser de fundamental importância para o tratamento da doença crônica, uma vez que milhões de indivíduos se encontram infectados e sem perspectivas de cura. Do mesmo modo que poderiam servir como modelos para o desenvolvimento de vacinas seguras e eficientes.
Cardiopatia experimental
Estudo da cardiopatia experimental induzida pelo Trypanosoma cruzi em modelos murinos: como acessar e explorar.
Jaline Coutinho Silverio
Laboratório de Controle Microbiológico/ Departamento de Controle de Qualidade/ Biomanguinhos /Fiocruz/ RJ
E-mail: jaline@ioc.fiocruz.br
Gabriel Melo de Oliveira
Laboratório de Biologia Celular/ Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz/ RJ
E-mail: gmoliveira@ioc.fiocruz.br
O camundongo é o modelo experimental mais utilizado em pesquisas biomédicas. Este modelo animal reproduz em condições laboratoriais, com confiabilidade e reprodutibilidade, diversos aspectos fisiológicos, bioquímicos, imunológicos e patológicos similares à espécie humana. Outro fator relevante é a possibilidade de análise, em curto período de tempo, o curso de patologias crônicas descritas em seres humanos.
Em relação a doença de Chagas, Andrade e colaboradores observaram, durante a infecção experimental pelo Trypanosoma cruzi, semelhanças quanto aos aspectos clínicos e laboratoriais (sorologia positiva, distúrbios hematológicos e alterações cardiológicas) quando comparada ao modelo experimental murino e o ser humano. Rossi e cols., através de estudos anátomo-patológicos (aplicando microscopia óptica e eletrônica) também observaram alteração morfo-funcionais similares.
O modelo de infecção pode ser definido pela escolha da linhagem do camundongo e a cepa do T. cruzi com a qual o animal será infectado. Devido a sua facilidade de manejo é possível realizar a inoculação de formas parasitárias tripomastigotas (sanguíneas ou metacíclicas) através da via intra-peritoneal, intra-conjuntival e oral. A interação entre a linhagem do camundongo e a cepa do parasito demonstrará peculiaridades de tropismo tecidual, resistência do camundongo a infecção na fase aguda, curva de parasitemia e mortalidade dos animais.
O modelo ideal para o estudo da fase crônica é aquele que apresenta um balanço entre a infectividade do parasito (capaz de promover lesões similares ao ser humano na fase aguda e posteriormente na fase crônica sintomática), sobrevida do camundongo na fase aguda e reprodução da Cardiomiopatia Chagásica Dilatada (CCD) na fase crônica. Um modelo com alta infectividade e alta incidência de lesões e sinais patológicos, que não sobrevivam à fase aguda não é desejável.
Atualmente sabe-se da importância entre a gravidade das lesões inflamatórias na miocardite aguda e o surgimento da CCD na fase crônica. O conhecimento das alterações patológicas presentes nas fases aguda e crônica na cardiopatia chagásica em camundongos evoluiu a partir de estudos da morfologia e da funcionalidade cardíaca utilizando parâmetros não-invasivos. O emprego de análises bioquímicas, como a dosagem da atividade sérica da enzima Creatino Kinase – isotipo MB (CK-MB) no plasma de camundongos infectados da linhagem C57BL/6, é uma ferramenta importante que permite indicar a lesão de cardiomiócitos. Desta maneira, estudos relacionaram a intensidade do infiltrado inflamatório e a gravidade lesão cardíaca nos camundongos infectados.
Em geral, a doença de Chagas é caracterizada por disfunção do miocárdio (em nível celular e tecidual) podendo resultar na alteração do sistema de condução elétrica cardíaca detectada, principalmente, pela avaliação por eletrocardiografia (ECG). De fato, pacientes humanos chagásicos crônicos sintomáticos são definidos por alterações eletrocardiográficas. Nestes pacientes, são freqüentes as arritmias cardíacas, bloqueios atrioventriculares e taquicardias ventriculares entre outros achados. De modo interessante, Andrade e Sadigursky em 1987 observaram alterações eletrocardiografias em camundongos Swiss Webster Outbred stock infectados pelo T. cruzi semelhantes aos observados em pacientes cronicamente infectados10. Além disso, a utilização de outros métodos de diagnósticos por imagem como, radiológicos, ecocardiográficos e ressonância magnética associados a metodologias invasivas, como análise anátomo-patológica, permitem avaliação estrutural do órgão e da função contráctil do miocárdio. A partir destas, podemos avaliar a presença de dilatação do órgão (ou especificamente de ventrículos e átrios) em sístole ou diástole, mensurar a espessura da parede das câmaras, avaliar a força de contração do miocárdio, avaliar o valor da fração de ejeção entre diversos outros. Apesar dos equipamentos apresentarem alto custo, sua utilização é imprescindível para uma exata visualização das alterações cardiológicas e a evolução da insuficiência cardíaca.
A função cardiovascular dos camundongos infectados pode ser ainda avaliada por métodos como a ergometria e a medida da pressão arterial. Observamos em camundongos durante o curso da infecção pelo T. cruzi completa intolerância à atividade física no momento de maior lesão do miocárdio que pode ser precisamente avaliada pela ergometria. A aferição da pressão arterial é relevante para se avaliar a condição sistêmica do animal uma vez que é descrito que camundongos da linhagem BALB/c infectados pela cepa Y do T. cruzi apresentam lesões nos túbulos renais e alterações na função de filtração renal podendo correlacionar-se ao desenvolvimento da insuficiência cardíaca fulminante observada durante o curso agudo da doença.
Além de contribuir no entendimento da fisiopatologia da doença de Chagas, camundongos têm contribuído para o desenvolvimento de novos protocolos terapêuticos visando a melhoria da funcionalidade cardíaca de pacientes chagásicos crônicos. Soeiro e cols. demonstram a ação de diamidinas aromáticas em ensaios in vitro com promissora atividade tripanocida. A utilização de parâmetros clínicos, cardíacos e renais, em camundongos, serão importantes para a avaliação da eficiência destes compostos. Lannes-Vieira e cols. trataram camundongos cronicamente infectados com o medicamento resveratrol e foi observado que através do uso da eletrocardiografia e a ecocardiografia houve uma significante melhora na função cardíaca dos animais18. Assim, esses dados demonstram que a eficiência de protocolos terapêuticos associados a padronização de metodologias para diagnóstico e monitoramento da eficácia de agentes cardioprotetores ou imuno-terapêuticos representaram relevante conjunto para desenvolvimento de terapias inovadoras no tratamento da CCD.
O modelo murino também tem contribuído no desenvolvimento da medicina regenerativa, que usa células-tronco e terapia celular no reparo de lesões crônico-degenerativas. Neste contexto, a possibilidade de intervenção na cardiopatia chagásica foi estudada . Estudos têm demonstrado os benefícios da terapia celular em cardiopatias tanto em protocolos experimentais quanto em ensaios clínicos iniciais em humanos, através da utilização de células de diferentes origens, como células da medula óssea (mesenquimais ou hematopoéticas), mioblastos esqueléticos, e também, células que supostamente residem no próprio miocárdio. Soares e cols., injetaram células mononucleares obtidas a partir da medula óssea de animais normais ou infectados em animais crônicos sintomáticos pela cepa Colombiana T. cruzi. Os resultados demostraram a ocorrência de migração celular para o tecido cardíaco lesado pelo parasito e as respectivas células injetadas, após a avaliação celular se assemelharam morfologicamente a fibras cardíacas sadias com marcação específica de miosina cardíaca. Após um mês da terapia, observou-se redução do processo inflamatório e de reparação (fibrose) no grupo de camundongos infectados pelo T. cruzi e que receberam a terapia celular quando comparados ao grupo que não recebeu células. Dois meses após a injeção esta redução foi ainda mais acentuada e se manteve até seis meses após o transplante celular.
Esses resultados corroboram aos de Stamm e cols., que injetou em camundongos chagásicos, células obtidas a partir da medula óssea de animais também chagásicos, e observaram resultados regenerativos e reparadores cardíacos semelhantes. O conjunto dos dados de terapia celular, contribuíram diretamente para a aplicação e tratamento de pacientes humanos crônicos sintomáticos através de terapias celulares, assim, possibilitando a melhora ou manutenção da qualidade de vida de indivíduos acometidos com a doença de Chagas.
Outra abordagem no estudo de doenças humanas é a utilização de animais geneticamente modificados (AnGMs). Através de refinadas técnicas de biotecnologia, sua utilização possui como objetivo principal responder de forma muito mais pontual, uma série de perguntas relativas à fisiopatologia – ou seja: conhecer a resposta de um determinado órgão frente a uma determinada patologia. Os primeiros estudos utilizando AnGMs infectados pelo T. cruzi, ocorreram por Lima & Minoprio, em 1996, que permitiram a investigação do envolvimento da resposta imunológica pelas Células gama-delta (γ/δ) na gravidade da infecção e também da atividade de células T em camundongos deficientes na expressão do complexo MHC. Desde então, diversos autores utilizaram AnGMs para diversas abordagens como: entender o mecanismo de regulação da resposta inflamatória na infecção, modulação da expressão de moléculas de adesão, citocinas e quimiocinas na resposta imune no envolvimento de óxido nítrico e nas vias citotóxicas majoritárias e outros na infecção experimental pelo T. cruzi.
Neste contexto, a busca pela identificação de mediadores imunológicos relacionados a lesão cardíaca promovida pelo T. cruzi demonstraram uma intensa migração de leucócitos durante a interação entre o parasito e as células imunes do hospedeiro vem sedo investigado pela equipe da Dra Joseli Lannes do Laboratório de Biologia das Interações do Instituto Oswaldo Cruz. Foi observado, na fase aguda de infecção, aumento significativo do número de linfócitos T CD8, em relação aos T CD4, expressando o receptor de quimiocina CCR5 no tecido cardíaco de animais C3H/HeJ infectados com a cepa Colombiana do T. cruzi. Visando modular a inflamação cardíaca, esses camundongos C3H/HeJ foram tratados na fase aguda de infecção com o composto Met-RANTES (N-terminal-methionylated RANTES), um antagonista seletivo de CCR1 e CCR5. O composto não interferiu na quantificação parasitária (parasitemia), mas reduziu significantemente o número de linfócitos T CD4 e CD8 CCR5+ no tecido cardíaco e a deposição de fibronectina. Assim, esses dados sugeriram fortemente que as células CCR5+ não seriam cruciais ao controle do parasito, mas teriam papel importante na patogênese cardíaca da doença de Chagas.
Por fim, o uso experimental do modelo camundongo é extremamente relevante e propicia a oportunidade de estudar e entender as alterações promovidas pelo parasito de forma sistêmica e não somente em um órgão. Além disso, a busca por métodos diagnósticos cada vez mais sensíveis e semelhantes ao ser humano e também a utilização de AnGMs, em conjunto, são fatores muito importantes para a investigação e esclarecimento da gravidade da infecção pelo T. cruzi durante o o acometimento cardíaco, durante a fase aguda e crônica sintomática. Ressaltamos que o modelo murino possibilita o estudo de novos alvos terapêuticos para o tratamento da CCD, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos pacientes com insuficiência cardíaca promovida pela infecção com o T. cruzi.