O XIII Encontro Anual do Programa de Pesquisa Translacional de Doença de Chagas – Fio-Chagas (Pidc) aconteceu entre os dias 23 e 25 de maio de 2016, no auditório térreo da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), em Manguinhos, no Rio de Janeiro.
O evento contou com a participação de pesquisadores da Fiocruz e de outras instituições nacionais e internacionais, onde foram apresentadas as novas ferramentas para o manejo e cuidado de pacientes com doença de Chagas.
A proposta do encontro foi promover a discussão de políticas de assistência e qualidade de vida do paciente, buscando estreitar a interação da comunidade científica com os portadores da doença. Também foram discutidos e divulgados os avanços obtidos nas pesquisas realizadas e as propostas de novos projetos em cada rede temática.
O Programa de Pesquisa Translacional em Doenças de Chagas – Fio-Chagas (Pidc) tem o suporte da Vice-Presidência de Pesquisa e Laboratórios de Referência (VPPLR) e estimula a composição de equipes inter-laboratoriais, inter-unidades e inter-institucionais. Sua proposta é promover a articulação de grupos de pesquisa nas áreas biomédica, clínica, desenvolvimento tecnológico e saúde coletiva em torno de projetos que atendam a questões críticas para o controle da doença de Chagas e a melhora da qualidade de vida dos pacientes.
A abertura do evento contou com as boas vindas do Vice-Presidente de Pesquisa e Laboratórios de Referência da Fiocruz – Dr. Rodrigo Stabeli, afirmando “quando se pensou na reformulação do programa, passando para um programa translacional, não fazia sentido se a gente não tivesse inserção desta comunidade no Sistema Único de Saúde. Estas respostas estão vindo bastante rápidas do ponto de vista dos programas já instalados como o Fio-Chagas e Fio-Schisto. Tivemos na semana passada o evento da Rede Fio-Câncer, onde esta Rede começa a formular propostas na atual conjuntura nacional. Não adianta querer fazer o programa mais bonito do mundo sem olhar a situação política e econômica que estamos passando no país. Vamos brigar para ter a nossa saúde pública como direito e dever do estado”.
Dra. Marli Lima – Pesquisadora Titular do IOC – Fiocruz/ Coordenadora do Programa Fio-Chagas colocou que o encontro seria bastante produtivo pelo fato do evento acontecer na Fiocruz, podendo agregar mais os estudantes da Instituição, ligados a doenças de Chagas e outras áreas.
Dr. Gilberto Sperandio – Tecnologista em Saúde Pública do INI – Fiocruz/ Coordenador do Fio-Chagas afirmou esperar que o encontro viabilizasse novas alternativas para facilitar a vida do paciente com Chagas, unindo esforços num momento tão complicado que o país atravessa.
Dr. Rubem Barreto Pesquisador do IOC – Fiocruz/Coordenador do Fio-Chagas apresentou os temas e a composição de cada mesa da programação do evento. Colocou que a ideia do programa, deste ano, estaria voltada para discussão, aliando as políticas institucionais da Fiocruz com as políticas junto ao SUS.
Dr. Wim Degrave – Coordenador dos Programas de Pesquisa Translacionais da VPPLR – Fiocruz deu as boas vindas afirmando “acho importante fazer uma reflexão da doença de Chagas no país, os planos e atividades da Rede, que no ano passado conseguiram se desenvolver e quais aspectos não avançaram tão quanto a gente gostaria de ter visto. ” Falou, também, sobre o financiamento dos 11 Programas Translacionais, esclarecendo que a maioria dos Programas tem andado e que após o primeiro semestre, precisaria reunir o grupo de pesquisas dessas áreas para planejar as ações integradas. Colocou a importância do grupo se debruçar nas prioridades mais importantes onde se contemplasse recursos imediatos, verificando as áreas de maior possibilidade em alavancar com outras fontes.
A metodologia do encontro contou com a formação de mesas consideradas relevantes para discussão dos seguintes temas: A situação da doença de Chagas; Estado da arte da pesquisa clínica em Chagas; Biomarcadores e vacinas: perspectivas e limitações; Novas perspectivas da parceria público-privada; Controle de vetores e parasitos; Discussão sobre a inserção do Fio-Chagas nas políticas do SUS; Atenção integral ao paciente com doença de Chagas e qualidade de vida.
Após as apresentações e debates das mesas procedeu-se com a formulação de propostas de interação Inter redes e proposição de novos projetos, terminando o XIII Encontro Anual do Fio-Chagas com a assembleia geral e a cerimônia de encerramento.
Abaixo, as discussões das mesas realizadas e o programa do XIII Encontro Anual do Fio-Chagas
Mesa 1: A situação da doença de Chagas
Dr. João Carlos Pinto Dias do CPqRR – Fiocruz/ Minas Gerais mediador da mesa 1 abriu a discussão agradecendo o convite. Falou sobre a situação da doença de Chagas e o seu ponto de vista, listando os temas sugeridos para discussão, entre eles: a situação da doença de Chagas no Brasil e na América do Sul e suas particularidades.
Dr. José Rodrigues Coura do IOC – Fiocruz/RJ afirmou ser muito difícil erradicar a doença de Chagas no país e informou que a doença está no mundo, sendo uma doença mundial.
Dra. Ana Maria Jansen do IOC Fiocruz/RJ expôs as principais descobertas feitas na instituição dizendo: “o novo quebra cabeça que se configura na epidemiologia da doença de Chagas, deve ser resolvido, principalmente, com o apoio desta casa, integralmente em colaboração entre todas as instâncias da federação. Isso, é um trabalho multidisciplinar, de colaboração e de parceria. Defino isso como translacional. ”
Dr. Oscar Noya da Universidade Central da Venezuela trouxe sua visão demográfica, epidemiológica e ecológica da doença afirmando: “penso que neste momento nós estamos sendo testemunhas de uma grande mudança na epidemiologia da doença de Chagas. Essas grandes mudanças são principalmente por causa demográfica”. Mencionou que a Venezuela teve o maior programa de controle de doença de Chagas por notificações no mundo sendo a área rural da Venezuela muito beneficiada.
Dr. Renato Vieira Alves – Coordenador de Vigilância das doenças transmitidas por vetores antropozoonoses – COEV – Ministério da Saúde afirmou que esses espaços de discussão são fundamentais para compartilhar informações e as diversas posições a respeito dos temas apresentados, balizando muitas das condutas tomadas no Ministério. O mesmo acredita não haver muita mudança no cenário, sendo necessidade primária uma vigilância bem organizada e sensível suficiente de informações com vistas a obtenção de um diagnóstico correto da situação.
Mesa 2: Estado da arte da pesquisa clínica em Chagas
Dr. Pedro Brasil – INI/Fiocruz/RJ mediador da mesa 2 abriu sua fala indagando aos demais colegas qual seria a fronteira atual para aperfeiçoar ou melhorar o acesso e qual seria a experiência obtida de cada um em relação ao diagnóstico da doença de Chagas.
Dra. Bethânia Blum do DNDi – afirmou que o grande desafio seria encontrar um desfecho, num período de uma pesquisa, que fosse realmente preditivo de melhoria clínica.
Dr. Juan Cubides representando Médico sem Fronteiras afirmou que o MSF não é uma instituição de pesquisa, mas sim de prestação de serviços de saúde. Para Chagas a instituição trabalha há 17 anos, em 4 linhas de investigação. Na parte de diagnóstico fizeram parceria com o Instituto Pasteur e com a Organização Mundial da Saúde num estudo onde se avaliou a sensibilidade, especificidade e reprodução de 11 testes de diagnóstico.
Dr. Roberto Saraiva do INI/Fiocruz/RJ afirmou ter feito um trabalho junto com o MSF referente a diagnóstico dizendo ser muito importante para pesquisa clínica o conhecimento sobre a população.
Dr. Pedro Brasil encerrou a mesa apresentando o estado da arte da doença de Chagas atualmente, onde não há maturidade suficiente para se chegar no tipo de amadurecimento da discussão.
Mesa 3: Biomarcadores e vacinas: perspectivas e limitações
Dr. Otacílio Moreira – IOC/Fiocruz/RJ mediador da mesa 3 solicitou aos participantes da mesa a discussão de tópicos relacionados a avanços diagnósticos, situações de diagnósticos sorológicos, kits comerciais, aplicações e avanços de diagnóstico molecular, carga parasitária, avanços em vacinas, avanços em biomarcadores e os primeiros resultados que estão obtendo de carga parasitária em pacientes crônicos em diferentes localidades.
Dr. Igor de Almeida da University of Texas (El Paso, EUA) agradeceu a coordenação do Programa Fio-Chagas pelo convite afirmando que a universidade tem dado contribuição em relação aos biomarcadores nos últimos anos. Esclareceu a discussão da mesa 2 que não havia falta de antígenos bons para diagnóstico para Chagas, vendo como real problema a falta de uso destes antígenos na clínica.
Dra. Joseli Lannes – IOC/Fiocruz/RJ colocou que o grande problema seria o trabalho com um cenário de pesquisas de 20 anos atrás e que hoje o cenário é o outro. Atualmente não se considera a diversidade de cepas, nem a diversidade geográfica.
Com relação aos biomarcadores, a mesma afirma ser necessário foco nos desfechos para a doença cardíaca. Já a vacina, acredita que o grande problema seja o excesso de conhecimento na área.
Dr. Otacílio Moreira esclareceu as questões levantadas e afirmou a necessidade de padronização da PCR para a popularização ainda maior da técnica e concordou com a dificuldade da mesma. Seria preciso uma mudança em Biomanguinhos, a fim de produzir um Kit molecular para PCR quantitativo de fácil utilização.
Mesa 4: Novas perspectivas de parceria público-privada
Dr. Wim Degrave – Coordenador dos Programas de Pesquisa Translacionais da VPPLR da Fiocruz/RJ abriu a discussão passando para as considerações.
Dr. Jorge Costa – Assessor da VPPIS/Fiocruz/RJ expôs que hoje o Brasil possui um parque farmacêutico bastante consolidado, mas que carece da produção de insumos farmacêuticos ativos. Disse ainda que o Brasil produz cerca de 15% dos fármacos que são utilizados nos medicamentos que circulam no país. Através desse quadro, Farmanguinhos começou em 2006, aproximadamente, a desenvolver e produzir medicamentos. A partir dessa iniciativa o Ministério da Saúde aprimorou e criou as parcerias para o desenvolvimento produtivo. Frisou a importância dessas parcerias, permitindo que os laboratórios oficiais incorporassem tecnologias que eles são capazes de desenvolver, mas que provavelmente se levaria muito tempo.
Dra. Renata Curi da CDTS/Fiocruz/RJ esclareceu seu papel na CDTS de trabalhar especialmente com parcerias. Afirmou que procura fazer uma aproximação com outros entes públicos, entes privados, organizações nacionais e internacionais com ou sem fins lucrativos no sentido de alavancar inovação, o desenvolvimento de produtos e serviços que atendam da melhor forma a determinada demanda, especialmente do SUS, mas não restrito ao SUS. Afirmou entender que esse é o momento da Fiocruz de enfrentar a necessidade de criar uma política, detalhando quais os critérios para se estabelecer parcerias com uma empresa privada e que tipo de inovação se pretende e quais são os processos e etapas, além da regulamentação desse assunto.
Dr. Wim Degrave expôs que a Fiocruz precisa fazer um debate aberto com todos os partidos envolvidos, sobre o que se quer de inovação, onde se quer chegar e quais os modelos. “Por causa de ideologias perdemos muito mais chance e tempo e possibilidades de desenvolver coisas interessantes para pacientes.” Afirmou que a iniciativa privada tem objetivos e estruturas diferentes dos entes públicos. “É importante a gente criar um fluxo recomendado de operação para esse tipo de coisa” finalizou o Coordenador dos Programas de Pesquisa Translacionais – Dr. Wim Degrave.
Mesa 5: Controle de vetores e parasitos
Dr. Marcos André Vannier da CPqGM/ Fiocruz/Salvador mediador da mesa 5 abriu a discussão passando a palavra para os participantes.
Dra. Maria de Nazaré Soeiro- IOC/Fiocruz/RJ apresentou alguns pontos relacionados às discussões entre a relação público-privada e a questão do atendimento ao paciente. Falou sobre os recentes avanços que tiveram a cerca do conhecimento, gerados para os ensaios clínicos. “Os ensaios clínicos trouxeram uma reflexão para reavaliar o que se tem hoje de modelos experimentais. ” Também, afirmou que os estudos clínicos não só favoreceram a discussão e a revalidação das novas metodologias, mas também causaram questionamento do próprio uso da droga de referência, de que forma ela poderia ser administrada, permitindo uma maior adesão dos portadores na medida em que houvesse uma menor reatividade de efeitos tóxicos ou até mesmo efeitos colaterais. Finalizou dizendo ser fundamental o apoio institucional para inclusão de sistema de gestão da qualidade que garantisse rastreabilidade, não bastando somente a identificação.
Dr. Luiz Sangenis do INI/Fiocruz/RJ colocou que transmissão vetorial ainda existe no Brasil, embora tenha diminuído bastante. Afirmou que o grande problema estaria na vigilância dos municípios, totalmente a parte do que está acontecendo em termos epidemiológicos. Atualmente a demanda epidemiológica nos municípios está voltada para Aedes aegypti.
Dra. Liléia Diotaiuti do CPqRR/Fiocruz/MG afirmou valer a pena rever o histórico do controle de vetores, principalmente a partir do processo da descentralização do sistema de saúde. “Seria preciso fazer uma reflexão profunda para o SUS funcionar, não existindo informação, a epidemiologia ficaria comprometida” finalizou Dra. Liléia.
Mesa 6: Atenção integral ao paciente com doenças de Chagas e qualidade de vida
Dra. Cristina Carrazone – PROCAPE/Universidade de Pernambuco abriu a discussão afirmando que a riqueza da mesa estaria nos vários olhares sobre o mesmo contexto e que seria preciso ouvir do paciente o que ele entende que melhoraria a qualidade de vida dele. Dentro desse contexto passou a palavra para os demais participantes da mesa para que opinassem a respeito da atenção integral, qualidade de vida e o impacto no paciente.
Dra. Ana Maria de Arruda Camargo – Representante da Findechagas falou sobre algumas palavras chaves: integralidade, qualidade de vida, doença e o sujeito. Destacou o sujeito que interfere na avaliação mais objetiva e qualitativa afirmando que o sujeito busca um atendimento competente, respeitoso, com qualidade e acolhimento. Finalizou sua fala apresentando três recortes da doença de Chagas, sendo eles: a questão sócia econômica, gênero e idade.
Marcelo de Oliveira Mendes representante do Rio Chagas falou sobre sua experiência esclarecendo que realiza um trabalho de artes com os pacientes portadores de doenças de Chagas. Afirmou que com esse trabalho, acaba aprendendo mais com eles do que ensinando. “Eles me ensinam a vida e eu ensino a arte”, finalizou Marcelo.
Dra. Andrea Silvestre do INI/Fiocruz/RJ falou sobre o trabalho que é realizado do INI/Fiocruz/RJ e as experiências com os pacientes com doenças de Chagas, explicando que é necessário pensar em promover qualidade de vida do paciente. Terminou sua apresentação fazendo um diálogo entre a assistência e a pesquisa.
Dr. Mauro Mediano do INI/Fiocruz/RJ colocou a abordagem desafiadora do tema pelo fato de se colocar o paciente em foco, através da discussão da qualidade de vida do paciente, o seu contexto social e a atenção integral. Acrescentou que “não adianta apenas a gente dar anos de vida para esses pacientes. Temos que dar vida a esses anos que esses indivíduos estão ganhando. ” Finalizou esclarecendo “atenção integral é muito mais do que você simplesmente ofertar diagnóstico e tratamento para todos esses indivíduos. Atenção integral é você entender esse indivíduo que tem uma doença, entender ele como um todo, entender ele dentro de um contexto. ”
Nancy Domingas e Oswaldo Silva, pacientes portadores da doença de Chagas, falaram da doença e a expectativa que eles têm em relação à vida. “Cada um tem a maneira de sofrer a doença. Tive coragem de seguir a minha vida”, finalizou Nancy Domingas.
Dra. Tânia Araujo do IOC/Fiocruz/RJ encerrou a mesa colocando que a esperança deste processo está na educação. “O componente da educação é um componente que tem condições de revolucionar esse processo. A atitude de escuta é fundamental. Mais do que ouvir é preciso escutar com um terceiro ouvido, escutar também o subjacente a fala” concluiu Dra. Tânia Araujo.